Lição n. 3 | Minimalismo Financeiro: o Menos é Mais (e Mais Rico)

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Este artigo de opinião é o terceiro de uma série sobre estratégia financeira, publicada durante agosto. Não se pretende convencer ninguém, mas apelar à reflexão num período tendemos a pensar sobre os caminhos que estamos a percorrer. O mais importante é o pensamento crítico, a paragem para a análise e constatação do que estamos a fazer conscientemente bem ou inconscientemente mal. Neste artigo, reflito sobre como o minimalismo aplicado às finanças pode reduzir o stress, os gastos desnecessários e o consumismo. Menos coisas, mais experiências, mais liberdade financeira. E explico como podemos "desintoxicar" as nossas finanças.

O Jogo do Gato e do Rato

Para crescer, as empresas têm de encontrar mais mercado ou fazer com que o mercado pague mais. É simples e aqui não há milagres: ou vendem o mesmo número de unidades mas cada unidade mais cara, ou vendem mais unidades ao mesmo preço. Esta necessidade transforma o consumidor num alvo permanente, que é preciso estar sempre a convencer ou a comprar mais, ou a comprar mais caro. É isso que o marketing atual faz: procura dar-nos a sensação de que determinado produto tem, para nós, um valor incontestável e, como tal, se transforma numa necessidade imutável que justifica o preço pelo valor que traz. Lembre-se: preço não é sinónimo de valor!

Vejamos o exemplo das marcas de roupa. Temos essencialmente dois tipos de marca: as marcas de luxo – ou gama alta – que apostam no valor crescente de cada item para fomentar o seu crescimento dentro de um determinado nicho, e as marcas de massas que apostam em peças de roupa mais baratas, mas fomentam os clientes a terem cada vez mais peças no seu guarda-roupa. As primeiras apostam no valor e na sensação de exclusividade, enquanto as segundas apostam no volume, incitando-nos a comprar mais, usar poucas vezes e depois desfazer-nos das peças. A eterna questão é: vale mais ter uma boa camisola ou 10 camisolas que depois do primeiro uso estão “carregadas” de borboto?

Por mais que possa parecer contra-intuitivo, quem opta por marcas de luxo tende, muitas vezes, a ter maior literacia financeira e a refletir mais sobre as suas compras. Isto não é um dado estatístico, mas sim a minha percepção pessoal. Existem muitas razões para as pessoas com mais estabilidade financeira terem alcançarem essa estabilidade, e uma delas é mesmo a forma como racionalizam o seu dinheiro. Quem tem maior estabilidade financeira tende a refletir mais sobre cada euro que gasta, enquanto quem vive com mais pressão orçamental pode ser mais vulnerável ao impulso do momento — muitas vezes como forma de compensação emocional. Os mais ricos acabam por dar um valor diferente ao dinheiro e isso reflete-se na forma como o trocam por outro bem qualquer.

Uma vida mais minimalista

Imaginemos ir ao nosso guarda-roupa e fazermos três montes: o monte de roupa e acessórios que não vestimos nos últimos três anos, o monte de roupa que, desde que comprámos, não vestimos mais do que cinco vezes, e por fim o monte de roupa que efetivamente vestimos regularmente. Arrisco-me a dizer, sujeito a apreciação, que a maior parte de nós terá um monte mais pequeno na roupa que veste regularmente, quando comparado com os outros dois montes. Ainda vou arriscar mais: esse monte de roupa que vestimos mais vezes é, na verdade, composto maioritariamente pelas peças mais caras que comprámos. Confirma?

A teoria é a de que, na realidade, acabamos por atribuir mais valor às peças mais caras do nosso guarda-roupa e, como tal, essa é a roupa que mais vestimos e que nos dá maior satisfação ao fazê-lo. É assim que pensam as pessoas com mais estabilidade financeira, só que só têm mesmo esse monte de roupa e não têm os outros dois montes de coisas que usaram uma ou duas vezes, ou que já não usam há mais de três anos. Os mais ricos acabam por ser mais selectivos e trocam menos de carteira, de sapatos, de tudo.

Mas esta teoria não se aplica só à roupa. Abra-se as gavetas da cozinha de uma pessoa efectivamente rica e veja-se a diferença. Têm na cozinha os utensílios essenciais ao ponto da cozinha quase não parecer uma cozinha, enquanto quem vive com mais pressão orçamental tem a cozinha carregada de equipamento que ou usou uma vez, ou nunca usou e nunca mais irá usar. O dinheiro vai-se mais rápido das mãos daqueles que já vão em três modelos de descascadores de alho que nunca vão a tempo de procurar quando realmente queremos descascar um alho para o refogado. E aquele aquele utensílio para cortar ovos às rodelas, que ocupa meia gaveta mas que nunca usamos? Ou a máquina da raclete que comprámos para os jantares suíços que nunca mais saiu da caixa desde aquele primeiro jantar?

Quando falo em minimalismo não me refiro a não termos o que precisamos, mas em não termos aquilo que não precisamos. Há que ser eficiente nas compras e analisar em permanência a relação custo-benefício. Comprar uma máquina de raclete ou de fondue para usar três vezes é mais dispendioso do que ir três vezes a um bom restaurante de fondue. Talvez isto ajude a explicar porque é que algumas pessoas conseguem manter a sua estabilidade financeira ao longo do tempo — é uma questão de decisões consistentes, mais do que de ostentação. Enquanto que uns acham que foram ao restaurante de fondue para se mostrarem, eles fizeram-no por uma questão de eficiência financeira.

Não compre uma casa, compre uma garagem

Se dermos uma volta completa às nossas casas, e por vezes é o que fazemos no final do verão para preparar a rentrée no trabalho, na escola e no Outono, vemos que temos muito mais coisas do que aquelas que necessitamos. Podem ser livros, passpartouts, máquinas para tudo e mais alguma coisa, cobertores, edredões, aquecedores de lencóis, e as tantas milhares de coisas que o consumismo nos foi impingindo. Consumismo não é consumir o que precisamos, mas sim o que não precisamos.

O problema é que, por vezes, temos mesmo a certeza de que algo nos é fundamental mesmo sem o ser. Pense no preço das casas. Em Lisboa, são 3.000 a 4.000 euros por metro quadrado. Quantos metros quadrados ocupa com coisas de que não necessita? Se a ideia é ir juntando infinitas coisas que não usa, então o melhor mesmo é comprar uma casa mais pequena e uma grande garagem fechada ou uns grandes arrumos para ir colocando tudo aquilo de que, na realidade, não precisa.

O custo como investimento, o retorno como felicidade

Esta forma de pensar, de forma racional e objetiva, permite-nos encarar cada gasto não como um custo, mas como um investimento. Cada euro que sai da nossa conta deve ter um propósito, um objetivo e, acima de tudo, um retorno esperado.

O retorno pode ter muitas formas. Não precisa de ser financeiro. Pode ser um investimento na nossa família (uma viagem para criar memórias), na nossa carreira (um curso que nos torna mais competentes), na nossa saúde (uma mensalidade de ginásio ou uma ida ao nutricionista) ou no nosso próprio estatuto e bem-estar (uma peça de roupa de qualidade, por exemplo). Riqueza não é termos muito dinheiro, mas termos o dinheiro que precisamos para aquilo que queremos.

A pessoa que está constantemente à procura da melhor promoção pode parecer mais esperta — mas, muitas vezes, vive mais cansada. A economia de 10€ num par de sapatos pode custar horas de pesquisa, decisões baseadas na dúvida e, mais tarde, frustração com a má qualidade ou até com o tempo perdido. O barato pode mesmo sair caro — emocional e financeiramente. O mesmo se aplica a horas passadas no supermercado à procura de promoções para poupar esses 10 Euros, horas que poderiam ser passadas em família, em formação, ou a gerar mais retorno.

Ao olharmos para os nossos gastos com esta mentalidade, passamos a ser mais conscientes e menos impulsivos. Um gasto é algo negativo, que nos diminui se não lhe encontrarmos valor. Um investimento é algo positivo, que nos acrescenta. Ao pensar permanentemente em retorno, acabamos por sentir uma gratidão pela vida, porque percebemos que o nosso dinheiro não se esvai em desperdícios, mas sim se transforma em valor. Esta é a chave para nos aproximarmos da satisfação pessoal e da vida realizada: em vez de lamentarmos o dinheiro que se foi, celebramos o que ele nos trouxe de volta.

Dicas para uma vida financeiramente minimalista

O minimalismo não é apenas uma teoria, é uma prática diária.

  • Faça um “detox” ao seu orçamento: olhe para as suas despesas dos últimos três meses. Identifique e elimine as que não trouxeram valor. Há subscrições que não usa? Gastos impulsivos que se tornaram um padrão? Acabou!
  • Adote a regra do “um de qualidade”: em vez de comprar várias versões baratas de um produto, investe numa única, de boa qualidade, que dure mais e que dê mais satisfação. Pense num bom casaco, num sapato confortável ou num utensílio de cozinha que realmente use e que não vão parar ao fundo da gaveta e ao armário.
  • Invista em experiências, não em objetos: ganhamos mais ao gastar mais em momentos com os outros (jantares, viagens, bilhetes para eventos) e menos em bens materiais. No final, as memórias têm um retorno emocional muito superior a qualquer objeto.
  • Pratique a gratidão pelo que já tem: antes de comprar algo novo, devemos fazer um inventário mental do que nos faz felizes. O café que fazemos em casa, o livro que temos na estante, o tempo que passamos com a família. A satisfação nasce de valorizar o que já se tem.

Pensemos diferentemente e ganhemos liberdade

A verdadeira estabilidade financeira não se mede apenas no que se acumula, mas na liberdade que se conquista ao fazer escolhas conscientes e sustentáveis. A lição não é imitar o que os outros têm, mas sim copiar a sua disciplina e a forma como ponderam o valor de cada despesa. Até sermos ricos, o dinheiro nunca dá para tudo. Prioritizar é a chave!  A literacia financeira, mais do que uma disciplina de números, é uma forma de pensar e de olhar para a vida com intencionalidade. É essa a diferença entre ter coisas e ter tempo para as desfrutar. É essa a diferença entre ser e estar.

Artigo publicado na CNN. Veja aqui

Pode ler todos os artigos do “Guia para usar o dinheiro a seu favor” aqui na CNN Portugal

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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