O dinheiro como ferramenta e não como fim
O que é então isso do dinheiro? O dinheiro é o mínimo denominador comum entre todos os bens que nos trazem conforto, segurança, alegria e sentido para a vida. Ele surge como um elo de ligação que nos permite trocar uns bens por outros em tempos não obrigatoriamente simultâneos. Por exemplo, se queremos vender uma casa mas ainda não nos decidimos o que vamos comprar a seguir, podemos trocá-la por dinheiro e depois usar esse dinheiro para a compra seguinte. O dinheiro colmata o desfasamento de tempo entre necessidades.
O dinheiro não foi criado para ser um fim, mas para servir de trampolim para que possamos ter aquilo que queiramos ter. O dinheiro não se come. Não se enrodilha uma nota de 20 euros e se engole para tirar uma dor de cabeça. O dinheiro não é em si um bem, mas sim o veículo para podermos adquirir bens.
Tudo nos incentiva a ganhar dinheiro, mas tudo nos incentiva a gastá-lo tão rápido quanto possível. Os governos assentam as suas políticas na dinâmica do dinheiro. Pagamos impostos quando recebemos dinheiro, quando o gastamos, quando o poupamos, quando o damos e até mesmo quando partimos e o deixamos a alguém. O dinheiro é a fonte que alimenta os governos e quanto mais velocidade lhe damos, mais alimentamos a roda governativa numa dança peculiar. É um esquema bastante complexo e quase diabólico porque dificilmente nos deixa enriquecer.
A nova lógica: trocar em vez de gastar
A palavra gastar não se deveria aplicar a dinheiro, porque dinheiro é, conforme disse, um mero modelo standardizado para trocarmos bens. A qualidade da nossa vida mede-se pelos bens — perecíveis ou não — que temos à nossa disposição para que nos sintamos seguros, confortáveis e felizes.
Para nós, humanos, o que conta são mesmo os bens que nos permitem levar a nossa vida e não o dinheiro em si. O dinheiro harmoniza o valor mas cada bem tem um valor diferente para pessoas diferentes. Se entendermos que o que é essencial não é um gasto, mas sim uma troca, não trataríamos o dinheiro com a mesma ligeireza.
Trocar dinheiro por comida é como trocar tempo por afeto. Há valor, há retorno, há continuidade. Gastar dinheiro em algo que não nos serve é como gritar num deserto — sai-nos caro e não volta. Quando compro com dinheiro algo que me trás mais valor, não estou a gastar, estou a trocar ou mesmo a investir. Gastar pressupõe uma perda, mas há coisas que valem bem mais do que o dinheiro que custam!
Gastar dinheiro significa, na verdade, reduzir valor, e nós só reduzimos valor quando compramos coisas que não nos acrescentam valor. Gastamos dinheiro e destruímos valor. Nesta série de artigos, tenho humanizado o dinheiro de uma forma lúcida. Se entendermos melhor o seu valor, entenderemos melhor o que fazer com ele e isso vai-nos permitir, com o mesmo dinheiro, ter mais valor para a nossa vida.
Dinheiro e autoestima: a fita métrica social
Além de únicos, somos seres sociais e, como tal, também nos medimos com a fita métrica social. O meu pai sempre me disse que “quem tem necessidade de mostrar dinheiro, tem muito pouco para mostrar”.
Há dois tipos de pessoas na forma como encaram a vida financeira: os que vivem para si e os que vivem para os outros. A necessidade de mostrar está, normalmente, associada a uma necessidade de aceitação social cujo dinheiro se transforma na única forma. Quem está verdadeiramente realizado consigo e com quem é como pessoa, nem está preocupado em mostrar, nem em esconder. Faz a sua vida tranquila sem lantejoulas e todos acabam por tropeçar nas evidências sem vergonha e. sem desdém.
Pense:
- Escolhe entre um café gourmet e um café da tasca não pelo sabor, mas pelo ambiente que o faz sentir-se parte de um grupo?
- Compra roupa para estar confortável ou para estar “fotografável”?
- Investe numa viagem transformadora ou num relógio para impressionar?
As pessoas conduzem um Porsche com a mesma naturalidade com que conduzem uma Renault 4L. Vão à tasca com a mesma “pinta” com que se deleitam no restaurante Mirazur lá para os lados de Nice. Tratam todos por igual e querem simplesmente ser tratados por igual. O dinheiro não os diferencia nem a eles nem aos outros. Estão na estratosfera!
Segundo estudos de comportamento, muitas decisões financeiras são guiadas por arquétipos inconscientes: o Provedor, o Herói, o Curador. Quem compra para mostrar aos outros pode estar a agir como Herói social, mas quem investe em si talvez esteja a assumir o papel de Curador da própria felicidade.
A diferença entre Riqueza de Ocasião e Riqueza de Processo
Existem diferentes trajetórias financeiras, e não cabe a nós julgá-las. No entanto, é muito diferente o rico que ganhou o Euromilhões do rico que construiu um caminho até virar rico. Porque a riqueza representa em si só um processo de transformação. à medida que subimos na nossa condição financeira, deveríamos encher um reboque de mais valores, de mais responsabilidade social, de mais humildade.
Quem não está confortável consigo, ou porque acha que o sítio onde chegou foi mais sorte do que mérito, tem necessidade de transformar esse momento fortuito na criação da sensação de perpetuidade do sucesso. Vai mostrando uma vida carregada de êxitos e atirando para debaixo do tapete os permanentes insucessos que teve e vai tendo. Capitaliza o momento de sorte e mostra-o para que se sinta guru.
Os grandes milionários do mundo têm as suas extravagâncias, é certo, mas contribuem enormemente com significativas percentagens da sua riqueza para as causas em que acreditam. Quem enriquece a pulso sofre também uma metamorfose social. Sei que isto é controverso, mas é facto que quando falo com ricos de processo tenho uma sensação completamente diferente dos ricos de ocasião. Os primeiros vivem de sucesso em sucesso com raros insucessos num processo metamórfico que os faz evoluir como pessoas. Não se sentem mais do que os outros, estão harmonizados com os outros. Os segundos vivem de insucesso em insucesso com um raro golpe de sorte. Os primeiros vão comer hamburgers, os segundos querem ser vistos nos restaurantes Michelin. Os primeiros dão um valor completamente diferente ao dinheiro: os primeiros investem sempre, os segundos sentem necessidade de gastar.
Dicas para encontrar o seu propósito financeiro
- Faça uma lista de valores, não de gastos: em vez de listar apenas as despesas, listemos as coisas que nos dão verdadeiro valor na vida: a saúde, o tempo com a família, uma viagem que nos enriquece o interior, a segurança de um fundo de emergência ou de liberdade como lhe chamo neste artigo 2 desta série. A partir daí, percebemos se os nossos gastos estão alinhados com esses valores e se estiverem, deixam de ser gastos e passam a ser investimentos ou trocas.
- Questione a sua intenção: antes de fazer uma compra, pergunte-se: “Estou a fazer isto por mim, ou para impressionar os outros?”. A resposta honesta pode ser um poderoso catalisador para mudar os nossos hábitos de consumo.
- Identifique os seus arquétipos: reflita sobre o que o leva a tomar certas decisões. Está a agir como o Provedor que sacrifica a sua felicidade para sustentar a família? A ser o Curador que se foca em si para poder, mais tarde, ajudar os outros de forma mais robusta?
- Pense no dinheiro como tempo: o nosso dinheiro representa horas de trabalho. A cada compra, devemo-nos perguntar: “Quantas horas da minha vida custou este objeto?” Esta perspetiva ajuda a valorizar o que é realmente importante.
Somos o que gastamos ou gastamos para ser?
Quando usamos o dinheiro para algo que nos acrescenta valor, estamos a investir. Quando usamos o dinheiro para mostrar aos outros, estamos a gastar. Uns investem no que são, outros gastam para ser… ou para parecer ser.
Estar de bem com a vida não tem nada a ver com dinheiro. Tem a ver com o partido que se retira dele. Há quem tenha muito pouco, mas que lhe extraia enorme valor, e há quem tenha muito e não lhe retire valor nenhum. Pelo meio há os que se focam em parecer ser o que não são, deixando de viver a vida deles e passando a viver a vida que acham que os outros queriam que vivessem.
Surpresa: os outros estão-se nas tintas para as fotografias maravilhosas nas redes sociais. Os outros querem é ser felizes.
Artigo publicado na CNN. Veja aqui
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