O Dinheiro faz Dinheiro
Noutros artigos publicados na CNN Portugal, tenho falado bastante sobre várias linhas de investimento, como por exemplo:
- Investir em casa própria: ler aqui
- A dificuldade de enriquecer com salário: ler aqui
- O melhor investimento com retorno garantido: ler aqui
- O que esperar da Inteligência Artificial: ler aqui
- Estratégias para a bolsa: ler aqui
- Como ter Bitcoin sem as ter: ler aqui
Recomendo naturalmente uma visita a esses artigos, que poderão dar pistas importantes ou pelo menos ajudar a decidir o que mais se adequa ao leitor. Nesta rubrica especial sobre estratégia ou literacia financeira, tenho tentado não me repetir quanto à minha opnião específica sobre cada veículo de investimento específico, até porque é mais vantajoso ter artigos dedicados para cada um deles, mas tentarei abordar o tema dos investimentos de forma mais alargada, sem fórmulas secretas, mas com muito secretismo na forma.
A vida é feita de riscos e imprevisibilidades. Essa é a parte maravilhosa da vida. Desde logo, porque o vazio do universo nos mostra o quanto probabilissimamente a nossa vida pode ser vista mais como uma falha do sistema do que propriamente um objetivo do sistema. Com tudo aquilo que poderia fazer com que não existíssemos, estar vivo é, desde logo, um milagre. Encarar a vida como um bónus é um primeiro passo para encarar as adversidades, mas também um passo para nos ajudar a entender o que é o risco. E entender o risco é também a melhor forma de identificarmos e entendermos as oportunidades que agarramos ou que deixamos fugir entre os dedos. Se todos precisássemos do mesmo e no mesmo instante, nem sequer seria necessário dinheiro. O dinheiro é também uma forma de resposta à imprevisibilidade.
Pensarmos que a nossa qualidade de vida financeira advém somente de um ordenado é uma forma de reduzir o nosso potencial, e de reduzir as chances de construir uma vida cada vez melhor. Pensar que o que o patrão nos paga é isento de riscos e tudo o resto é o verdadeiramente arriscado é uma forma tão redutora quanto limitadora de gerir risco. Estamos a colocar a nossa vida nas mãos de uma outra pessoa, mas ao mesmo dizem-nos para não colocarmos os ovos todos na mesma cesta. A sociedade está baralhada, ou precisa de mais literacia.
Pensarmos que a nossa qualidade de vida financeira advém somente de um ordenado é uma forma de reduzir o nosso potencial, e de reduzir as chances de construir uma vida cada vez melhor.”
O dinheiro efetivamente faz dinheiro!
O que é isso do Risco?
É mais arriscado ter uma carreira estagnada e perder todos os anos o que o nosso potencial nos permitiria ganhar a mais num outro emprego ou perder parte do nosso dinheiro num investimento em ações? Claro que é mais fácil medir a perda no que já tivemos do que no que nunca tivemos, mas pensar que não temos perdas financeiras pela via da perda do custo de oportunidade é, no mínimo ingénuo. O dinheiro que vem – ou que não vem- do salário é igual ao dinheiro que vem do mercado de ações ou de outro qualquer investimento. Como tal, deve ser tratado da mesma forma. Se o regulador não permite a não especialistas dar conselhos de investimento, porque é que tantos se permitem a dar conselhos de carreira? Sei de gente que perde mais dinheiro pela via do que podia ganhar mas não ganha do que qualquer investimento que pudesse fazer na Bolsa. A questão tem mesmo a ver, e vou-me repetir propositadamente, com o facto de ser muito mais fácil perder aquilo que nunca tivemos!
Conheço bastantes pessoas que já contam mais de 20 anos nas mesmas empresas. Também conheço algumas que achavam que a empresa onde estavam seria para a vida, mas acabaram postos porta fora como colaterais de crises, reestruturações e todas as demais incongruências do mercado. Existe de facto tanta diferença assim entre estar estagnado — ou com um crescimento residual — numa determinada empresa ou investir em ações numa qualquer empresa e esperar 20 anos que as ações subam? Onde eu quero chegar é que é menos arriscado investir numa ação que podemos vender no dia seguinte para comprar outra, do que estar numa determinada empresa estagnado e a cada ano que passa se reduz a oportunidade potencial e até o interesse que outras empresas possam ter nos nossos serviços. Basta pensar que se a estagnação nos “comer” 20% ao salário que poderíamos auferir sem ela, estamos a perder 20% de todas as nossas receitas por ano. É muito diferente do que perder 20% nas ações?
Investir acarreta risco, mas não investir também o acarreta. Basta ver o que aconteceu desde 2020 até 2025, em que a inflação tocou os 10%. A inflação dos últimos anos comeu 16% ao valor do dinheiro.
Pensemos na inflação para a compra de casa, em que os preços subiram 50% nestes 5 anos — média nacional —, segundo o idealista.
Não é difícil de concluir que, se estivermos adormecidos, estamos sistematicamente a perder poder de compra e, com isso, a andar para trás no que diz respeito à nossa sanidade financeira. Quem tem casa ainda se desenrasca, mas quem não comprou bem sabe as dificuldades que está a ter com a subida atual. Ou seja, a compra de casa é, claro, um risco, como nos provou a crise do subprime de 2008, mas a “não compra” de casa também se transformou num risco em 2025. Também foi um risco comprar ações da Tesla a 30 dólares em 2019, mas o futuro revelou que foi mais arriscado não as ter comprado, porque vendidas agora a 300 dólares, davam para comprar a casa e ainda sobrava.
A sanidade financeira faz-se com vários tipos de “gastos”, mas também se deve fazer com diversos tipos de receita. Os que estiveram estagnados no trabalho, mas entretanto compraram em 2020 uma casa e umas ações da Tesla, melhoraram significativamente a sua condição financeira. Os que ficaram quietos pioraram drasticamente.
O que é então investir?
Já disse e mantenho que o melhor investimento somos nós próprios. Que não restem dúvidas. Mas depois é absolutamente fundamental que ao longo da vida vamos investindo noutras fontes de receita independentemente do trabalho que tenhamos. A casa própria, se não desvalorizar, pode ser vista como uma receita em que estamos a pagar renda a nós próprios. Uma casa de férias pode ser uma fonte de receita na época alta. Um fundo de ações pode ser uma outra fonte. Podem até ser certificados de aforro ou depósitos a prazo, seguros de capitalização, ETF ou tantos outros produtos. Dizem-nos para não investirmos no que desconhecemos, e eu assino por baixo pelo menos 20 vezes se for preciso, mas devemos procurar quem nos ajude a perceber o melhor investimento para nós com base no nosso rendimento, nos riscos que queremos correr, a vida que queremos ter. Este trabalho sobre literacia e estratégia financeira é um alerta para isso mesmo.
Não estamos a assumir mais riscos nas ações do que a atravessar uma passadeira sem olhar para os lados”
A minha convicção é de que não estamos a assumir mais riscos nas ações do que a atravessar uma passadeira sem olhar para os lados. Claro que quem não percebe nada de ações deve recorrer a especialistas que entendam e em quem confiam, porque não saber o que se compra é o mesmo que me mandar à frutaria escolher melão. 50% das vezes vem bom, 50% das vezes vem mau, apesar de eu lhe dar aquelas pancadinhas de expert e quase ouvir o som do açúcar a cair como se caísse de uma ampulheta.
Investir é construirmos o nosso plano financeiro de acordo com a vida que queremos viver e criar um mapa de receitas que colocamos em cima do mapa das despesas. Investir é usar o nosso conhecimento e experiência ou o dos outros para ajustar o nosso perfil de risco ao perfil de ganhos que queremos. Ao longo dos anos, alguns investimentos vão numa direção, outros na outra direcção, mas no final do dia, o que interessa é o portefolio.
Faça o seu portefolio de receitas. Se não sabe, informe-se e recorra a especialistas em quem confie. Nunca tivemos uma geração assim de licenciados e a licenciatura é, como dizia um professor meu, uma licença para aprender. Aprenda onde e como multiplicar o seu dinheiro.
Dicas para investir
- Identifique o nível de risco. Antes de tudo, perceba qual é a sua tolerância ao risco. Se perder dinheiro o faz dormir mal à noite, os investimentos devem ser conservadores. Se conseguir gerir a volatilidade, pode arriscar mais. O risco mais perigoso é o que não se entende. Nunca nos esquecermos que o risco está associado ao tempo.
- Pense em diversificar, não em adivinhar. Não tente adivinhar qual é a próxima Tesla. Em vez disso, distribua os investimentos por diferentes classes de ativos (ações, obrigações, imóveis, etc.). A diversificação é a única estratégia que reduz o risco sem comprometer o retorno potencial. É como se tivéssemos cinco empregos, mas alguns são sazonais e pode não haver vaga.
- Comece pequeno mas de forma consistente. Não é preciso ter uma fortuna para começar a investir. A chave é a regularidade. Investir pequenas quantias todos os meses, de forma consistente, aproveitar valorização e beneficiar do poder dos juros compostos.
- Instrua-se, mas recorra a especialistas. Ler muito, absorver informação, e entender o que estamos a fazer. No entanto, não hesite em procurar a ajuda de um mediador ou especialista de confiança. O nosso trabalho é colocar a sua vida financeira em ordem.
O Silêncio do Risco
O risco de investir é visível. As cotações da bolsa, os valores das casas e a inflação são notícias diárias. Mas o risco de não investir é silencioso e subtil. Ele esconde-se na inflação que consome a sua poupança, na estagnação de uma carreira que podia ter sido mais arrojada, no poder de compra que se desvanece sem que se dê por isso.
O dinheiro faz dinheiro e, se a nossa única fonte de receita for o salário, estamos a abdicar de uma poderosa ferramenta para a nossa liberdade financeira. A nossa segurança não está na imobilidade, mas sim na ação consciente. O verdadeiro risco é o de ficarmos parados enquanto o mundo gira.
Artigo publicado na CNN. Veja aqui
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