A rubrica “Guia para utilizar o dinheiro a seu favor” foi um desafio pessoal, uma tentativa de criar algo mais do que uma leitura passageira. Pretendi que fosse um guia de sobrevivência, uma bússola para o leitor repensar a sua relação com o dinheiro. O feedback foi tão extraordinário quanto explosivo, vindo sobretudo de leitores que ousaram ir para além dos cabeçalhos. Estes procuraram entender o porquê da filosofia do dinheiro ser a real base da literacia financeira, a única fundação para construir uma estratégia sólida que não é de circunstância mas de perpetuidade.
Admito que não sou diferente da maioria. Quando abro um artigo sobre finanças pessoais, procuro de imediato as letras gordas com a dica mágica, a pepita de ouro que vai mudar a minha vida da noite para o dia. Aquele atalho para o enriquecimento que a grande maioria de nós anseia. Pode ser uma ação, pode ser um produto, pode ser o que for. Não fosse essa vontade de milagres e magia e não haveria tantas fraudes e convites -muitas vezes utilizando falsamente figuras públicas em discursos ardilosos para aumentar a credibilidade- a investimentos que trarão fortunas e que apenas trazem sonhos e perdas.
Mas, de todo o material que li e de todas as estratégias que testei, posso dizer com total franqueza: isso nunca aconteceu. Nunca consegui, de facto, extrair um atalho milagroso, porque essas dicas simplesmente não existem e ninguém as dá. A verdadeira riqueza não se encontra num golpe de sorte, mas sim numa relação intencional e disciplinada com o dinheiro. A literacia financeira é uma ciência que ensina, mas não dá. É uma troca, um compromisso pessoal.
Já reparou que mesmo os mais próximos, e “amigos”, quase sempre dão dicas de investimentos em produtos onde estão a perder e calam-se bem caladinhos quando estão a ganhar? Convença-se que poucos querem genuinamente que enriqueça, e poucos lhe darão dicas nesse sentido. Portanto a receber dicas, que sejam de profissionais, e sempre com muita cautela e sem absolutismo.
Foi por isso que iniciei esta jornada. Comecei por desafiar o conceito do que é ser rico no primeiro artigo. Não se trata apenas de números na conta bancária, mas de uma mentalidade. A partir daí, passámos para a construção de um orçamento flexível, a única ferramenta que nos ajuda a separar o essencial do acessório. A seguir, mergulhei no minimalismo financeiro, desmascarando os gastos impulsivos que nos fazem perder mais do que ganhamos. Estes três primeiros artigos não eram meros textos, eram os pilares do nosso edifício financeiro. A fundação de cimento para o que viria a seguir: o nosso Fundo de Liberdade.
Este fundo não é apenas um fundo de emergência, é um fundo de oportunidades. É a diferença entre poupar à espera de uma catástrofe e acumular capital para aproveitar as oportunidades que o mercado nos oferece. A partir do artigo cinco e até ao nono, aprofundei detalhes sobre produtos e formas de multiplicar dinheiro sem perder a nossa essência. Falámos de identidade, de juros parasitas e, claro, da importância de pensar na reforma.
E assim chegámos ao décimo e último artigo. É aqui que vou partilhar o meu maior segredo, a regra de ouro que me permite investir com ousadia, mas com uma tranquilidade inabalável. Mas, antes de o revelar, peço-lhe que grave uma coisa: este segredo corre o risco de funcionar se for construído sobre a disciplina e o entendimento do dinheiro que partilhei ao longo dos nove artigos anteriores. Sem essa base, não é um segredo. É apenas mais uma dica vazia.
O Parasita Silencioso que come o seu dinheiro
A maior parte das pessoas vive com um medo paralisante de perder dinheiro. E com razão. Investir comporta risco. Tal como mudar de emprego, ou mesmo não mudar. Mas quando lidamos com dinheiro que suámos para ganhar, a dor de o perder é mil vezes maior. É um instinto humano. E este medo leva-nos a procurar a ilusão de um investimento “sem risco”.
No entanto, há um parasita silencioso que trabalha incansavelmente, 24 horas por dia, 7 dias por semana, a destruir as nossas poupanças: a inflação. Ela devora o dinheiro parado. E se não a combater ativamente, daqui a dez anos o seu dinheiro vai comprar muito menos do que compra hoje. A inflação é o seu maior inimigo financeiro.
A grande mentira que nos contam é que o capital garantido nos protege. Se a meta do Banco Central Europeu é uma inflação de 2%, a sua meta de rentabilidade tem de ser, no mínimo, superior a isso. Mas os depósitos a prazo, tidos como o “porto seguro”, quase sempre rendem menos do que a inflação. São a forma mais garantida de perder poder de compra ao longo do tempo. E mesmo os certificados de aforro, por vezes desfasados da realidade, não garantem essa batalha contra a inflação.
Cheguei à conclusão mais lógica da minha vida financeira: não há forma de investir com capital garantido e, ao mesmo tempo, vencer a inflação de forma consistente. Por isso, quem procura essa segurança ilusória está, na realidade, sempre a perder. A única forma de o fazer é assumindo um nível de risco calculado. Foi essa a premissa que me permitiu construir a minha própria estratégia de investimento.
A mentira do Capital Garantido: A lição da humildade estratégica
Quem está no mercado há tempo suficiente já viu tudo o que parecia impossível acontecer. Já vimos juros de dívidas públicas dispararem de um dia para o outro. Já vimos bancos colapsarem em questão de horas. Já vimos caixas multibanco pararem de distribuir dinheiro. O que tínhamos como garantido já não o é. Ou seja, nunca o é! É melhor ter esta premissa do que não a ter.
A única coisa efetivamente garantida – não a 100% mas apenas por ser no momento muito mais garantida do que qualquer outra mas não está naturalmente fora de risco político entre outros- é o dinheiro num depósito a prazo, protegido pelo Fundo de Garantia do Estado até 100.000 euros por titular e por banco. E, como já vimos, essa é a forma mais eficaz de perder para a inflação.
Eu, com a minha humildade estratégica, percebi que a garantia se baseava em premissas do passado, premissas que até já falharam. E ao invés de aceitar a derrota, usei essa fragilidade como base para o meu plano.
O segredo de Milhões Revelado: A fórmula 80/20 que desafia a lógica dos especialistas
Finalmente, aqui está. A minha fórmula, o meu produto estruturado. Em vez de investir todo o meu dinheiro num único produto que, historicamente, oferece uma rentabilidade de 4% ou 5% ao ano — e de rezar para que não aconteça uma hecatombe — prefiro uma abordagem que equilibra a segurança extrema com um potencial de crescimento explosivo.
É uma abordagem que a maioria dos consultores e “especialistas” nunca lhe vai sugerir, por ser tão simples e tão eficaz que se torna inconveniente.
A minha fórmula, que me permite dormir descansado à noite, é a seguinte:
Coloco 80% do meu dinheiro num depósito a prazo coberto pelo fundo de garantia do estado e invisto os restantes 20% em produtos de maior risco.
Sim, 20% são colocados, após meticulosas análises, em produtos agressivos, onde posso esperar uma rentabilidade superior a 20% ao ano. Falo de fundos de tecnologia emergente, de empresas ligadas a criptomoedas, de ações individuais com potencial de crescimento explosivo. O que a maioria vê como um risco inaceitável, eu vejo como uma oportunidade calculada sobretudo porque penso no retorno como um todo mas apenas coloco a risco 20%.
A Lógica Inabalável:
A lógica por trás desta divisão é a seguinte: tudo, no mercado financeiro, comporta risco. O histórico é válido para o longo prazo, mas as alterações dramáticas na conjuntura económica, social e geopolítica podem acontecer a qualquer momento. Em vez de pôr todo o meu capital em risco numa carteira “diversificada” que é muito seguro mas que o passado já mostrou que nunca o é, eu garanto a segurança da maioria e uso a restante para um potencial de retorno maciço.
Imagine que tem 10.000 euros. Com a minha fórmula, investe 8.000 euros no depósito a prazo (risco zero, mas perde para a inflação) e 2.000 euros de forma agressiva.
- Cenário de Sucesso: Se os meus investimentos agressivos renderem 15% num ano, ganhei 300 euros nesses 2.000. Adicionando os 1.5% do depósito a prazo (120 euros), o meu retorno total na carteira de 10.000 euros é de 4,2%. Ganhei à inflação, com 80% do meu capital a risco zero.
- Cenário de Perda: Se o tal fundo de risco descer 15%, a minha perda total na carteira é de apenas 1,8% (180 euros), um valor insignificante comparado com a paz de espírito.
Num cenário de catástrofe tipo subprime, ou crise das dívidas soberanas, etc…em que praticamente tudo ruiu… eu mantenho 80% da disponibilidade para, aí sim, aproveitar oportunidades tendo perdido apenas parte dos tais 20% que andavam a risco aqui e ali.
A Estratégia dos Lucros: Não apanhe a faca a cair
Aqui reside a maior “heresia” da minha abordagem, algo que vai contra o que a maioria dos gurus de investimento prega. A maioria dos investidores é aconselhada a reforçar as posições quando os mercados caem ou um título “corrige”. A isto, um amigo meu chama “tentar apanhar uma faca a cair”. Uma estratégia perigosa e, na maioria das vezes, desnecessária.
A minha fórmula, por outro lado, usa os lucros da parte arriscada como uma “almofada” para aumentar a exposição ao risco. Se os 20% dos meus investimentos agressivos renderem muito, eu retiro aos 80% mais para investir mais e manter a proporção 80/20, aumentando o meu potencial de retorno, sem perder a proporção.
Esta estratégia aplica-se a mim e funciona incrivelmente bem. Permite-me investir de forma agressiva mantendo uma segurança inabalável. Pode acontecer que a parte de risco evolua tão depressa que desequilibre a minha carteira, mas isso seria o melhor dos cenários: significaria que os lucros superaram todas as expectativas.
Toma posse do teu dinheiro
Lembram-se da expressão: “Um jogador de futebol não vale pelo que pedem por ele mas por aquilo que alguém está disposto a pagar por ele”. Tomar posse do seu dinheiro é tão importante quanto a decisão de investir.
Venda os títulos, tome posse do dinheiro e repense se investiria no mesmo caso tivesse o dinheiro no bolso em vez dos ativos. Claro que quando falamos de mercado de capitais, há implicações fiscais no prazo de detenção dos títulos e não estou a dizer que os ignore, estou a dizer que não abandone os seus investimentos como um órfão, esteja a perder ou esteja a ganhar com eles. Torne-os dinheiro e verá o quanto isso mudará a sua forma de pensar.
O Verdadeiro fim da jornada
A rubrica “Guia para utilizar o dinheiro a seu favor” chega aqui ao fim. Espero que lhe tenha sido tão útil quanto foi para mim. Começámos por um tema filosófico — o que é ser rico — e terminamos com um segredo prático. Espero ter ajudado, mas a jornada real é sua.
Acredite que para investir não tem que ter muito mas tem que ter muita clareza na forma como interpreta o dinheiro, as fontes de receita e as fontes de despesa. Não tenha medo de investir tenha medo de investir sem saber o que está a fazer. Procure quem perceba, aprenda, e construa. Não siga milagres, siga um plano.
A sua relação com o dinheiro é a única coisa que realmente o vai levar ao enriquecimento. A sua disciplina. A sua humildade estratégica. E a sua coragem de assumir um risco calculado. O meu segredo não é uma dica, é um mapa. Use-o para a sua própria aventura, com mais tranquilidade e liberdade.
Artigo publicado na CNN. Veja aqui
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