Os mercados financeiros têm vivido dias negros de uma forma generalizada, mas o CEO da Euronext veio lançar algumas pistas sobre o que realmente pode estar a acontecer: os investidores estão a sair do mercado americano e a divergir para outras alternativas, nomeadamente o mercado europeu.
Todo o projeto de tarifas de Donald Trump assenta num princípio básico que é o forçar do investimento produtivo em solo americano. Tudo estaria bem se não estivesse a correr demasiado mal. Os investidores só investem quando estão na presença de variáveis relativamente certas ou pelo menos visíveis e palpáveis. Impostos previsíveis, tarifas previsíveis, políticas previsíveis, entre outras.
Donald Trump anuncia tarifas brutais a aplicar à maioria dos países e tarifas monstruosas a aplicar aos restantes, como foi o caso da China. No dia seguinte ao anúncio, Eric Trump, filho de Donald, veio dizer na plataforma X (antigo Twitter) que os primeiros países que se apressassem a negociar retirariam vantagens.
Vi tantas, mas tantas vezes, ser aplicada esta técnica do “good cop, bad cop”, ou “polícia bom, polícia mau”, que lhe perdi a conta, mas não vou sequer discernir sobre esta velha técnica amadora de negociação, deixo ao leitor.
É verdade que os Estados Unidos suportaram muitos países ao longo de muitos anos. Não ponho nada disso em questão. Mas também é verdade que essa forma democrática com que se dissolveram em quase todos os países ajudou muitos deles a evoluir, enquanto os Estados Unidos da América construíam para si uma reputação invejada por muitos e inalcançável para todos.
Obviamente terá havido abusos que os EUA, e bem, começaram por bloquear, sobretudo no que diz respeito ao financiamento quase indiscriminado. Musk aplicou tábua rasa a programas duvidosos fossem eles internos ou externos numa “limpeza” necessária, porque de facto os EUA já não têm capacidade para suportar uma série de vícios que outrora alimentavam. Aplicar tarifas desta violência e ainda por cima apelando à negociação das partes afetadas a fim de rever as ditas tarifas é, no mínimo, um tiro no pé. Afinal de contas qual é o investidor que vai investir com base num pacote de tarifas que os próprios decisores dizem que são negociáveis? Como se constrói um modelo de negócio em cima de algo que assumidamente vai mudar para algo que pode ser igualmente intermitente?
Aparentemente está tudo errado na forma e no conteúdo. Os objetivos não são alcançáveis devido à forma, e a forma não dá nenhuma credibilidade ao conteúdo.
Os Estados Unidos de hoje são uma sombra do que nos habituámos a que fossem e se o presidente americano tem efetivamente um plano que nenhum de nós entende seria francamente bom que resultasse. As tarifas por si não representam plano nenhum e os conselheiros que vão falando oferecem a credibilidade de um parceiro de café.
Gostaria de acreditar que esta forma agressiva trará frutos ao país, porque esses frutos seriam, de uma forma ou outra, colhidos por todos, mas a impressão que me dá é que efetivamente os Estados Unidos estão a ser abandonados. Aparentemente já ninguém parece querer saber.
Neste momento, mais do que os países afetados, estão os empresários americanos em pânico com a aplicação das tarifas. Já escrevi sobre isso e reitero, o problema americano é a falta de nacionalismo dos CEO das grandes empresas que decidiram secar o corpo produtivo do país. Mais irónico é o facto de muitos deles terem apoiado Trump e agora, por um lado, vão perder margem no mercado interno e, por outro, vão ver cada vez mais barreiras para operarem nos mercados externos.
Europa, China e outros não vão voltar a permitir que empresas americanas entrem pelos seus mercados adentro criando monopólios e impedindo outras locais de florescer. A globalização americana pode ter acabado numa semana!
Até é compreensível ver uns Estados Unidos da América como um país fechado, que produz o que precisa, exporta o excedente que pode até não ser muito e que vive essencialmente da sua economia e da sua gente. Os Estados Unidos têm espaço físico e recursos para tal e talvez seja legítimo que pensem assim. Protegem o que é seu e abdicam de ser os “polícias do mundo” que já foram e a economia global que têm sido. Está tudo certíssimo. A questão é que a economia americana não foi construída em torno deste modelo e, portanto, este projeto significaria cortar muito daquilo que os Estados Unidos estão acostumados a ser, a começar pelas empresas de Wall Street que não se sustêm apenas com o mercado americano. Há, portanto, que convencer estes empreendedores americanos de que não têm de ser globais para serem felizes.
Estar investido nos mercados americanos é, hoje, um misto de negacionismo e de crença. Negacionismo porque ninguém quer acreditar que um país como os EUA possa colapsar, e crença porque todos queremos acreditar que a Administração Trump possa estar a ver mais à frente e a vislumbrar um desfecho que nenhum de nós consegue até ao momento perceber.
Se apostasse no Polymarket, por negacionismo ou crença, apostaria que os EUA vão perder.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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