Os sul-coreanos apanharam esta noite a bitcoin num ponto de rebuçado deixado pelos americanos. Depois, foi só deixar rolar a noite e, tal como premeditado no artigo de ontem – “Coreia do Sul é o motor noturno da Bitcoin” -, a bitcoin rebentou com a barreira psicológica dos 100.000 dólares.
Não é surpreendente ter chegado aos 100.000 dólares, mas é surpreendente que não tenha despencado de imediato para uma correção que muitos esperavam face às imensas ordens de venda acumuladas no valor “mágico”. Esta é talvez a melhor surpresa deixada pelos sul-coreanos durante a noite.
A ligação da Ucrânia à bitcoin e restantes criptos já vem de muito antes do atual conflito. A Ucrânia ponderava utilizar a sua energia nuclear para minerar bitcoins e estava a trabalhar na regulação para esse processo. Claro que, ainda antes deste movimento do governo ucraniano, já uma série de trabalhadores de uma das centrais nucleares se tinham adiantado e estavam a utilizar, às escondidas, a energia da central para minerar as suas bitcoins.
Neste aspeto, ucranianos e russos seguiram as mesmas pisadas. Quer quanto ao facto de terem sido presos mineiros ilegais pelo desvio da energia nuclear em ambos países, quer quanto a ambos os governos pretenderem utilizar parte da capacidade nuclear para alimentar “data centres” e mineração. Já sabemos que há grande ligação entre energia (petróleo, gás, nuclear…) e o conflito, mas não sabemos se a própria bitcoin é mais causa ou consequência. Bitcoin é mais ou menos 10% de dados e 90% de energia!
A Ucrânia é um dos países mais amigáveis para com o mundo cripto. Desde o dia 24 de fevereiro de 2022 até 16 de março do mesmo ano passou-se menos de um mês e, no meio do caos gerado pelas inúmeras frentes de combate que marcaram o início do conflito, Volodymyr Zelensky encontrou tempo para aprovar a lei que legalizava as criptomoedas na Ucrânia.
Esta aprovação em pleno início do conflito pode ter tido imensas razões, mas não deixa de ser surpreendente a prioridade dada ao caso. Umas razões mais claras, outras mais escuras, mas não restam dúvidas de que tal ajudou muitos ucranianos nestes anos de conflito. A queda do valor da moeda ucraniana, a inflação, a saída de muitas mulheres e crianças do país, a necessidade de angariar suporte para o esforço de guerra são algumas das consequências da guerra que as criptos, nomeadamente a bitcoin, permitiram minimizar ou pelo menos ajudar a minimizar.
A bitcoin tem isso mesmo de fantástico: é descentralizada e móvel e portanto permitiu, por exemplo, que famílias pudessem sair do país sem a necessidade de carregarem notas de uma moeda fraca no bolso, ou mesmo a manter-se no país com algum nível de proteção pela maior resistência do valor da bitcoin face à moeda local.
Uma das principais respostas de apoio à Ucrânia e pontos de convergência da comunidade internacional foi a limitação de transações comerciais e financeiras entre os estados que suportaram a Ucrânia e a Rússia. Acontece que, com a bitcoin, não existem essas fronteiras. Não existe um botão em que os bancos podem carregar e bloquear o sistema e confiscar bitcoins. A bitcoin é à prova de botões políticos e Ucrânia e Russia acabaram por tirar proveito dessa nova realidade.
Existe forma de identificar a origem de todas as wallets mas não o nome do seu “dono”. A lei das sanções abarcou também as exchanges de criptos a quem foi pedido que bloqueassem as transações acima de determinados montantes, mas não poder fazer transações não é o mesmo que perder o ativo. É possível ter wallets sem ter exchanges. Com a bitcoin, para o bem e para o mal, é possível ter biliões numa pendrive.
Existe ambiguidade entre o posicionamento da Ucrânia nos rankings de adoção da cripto. O Chainalysis coloca a Ucrânia em sexto enquanto o Groupe d’Etudes Géopolitiques coloca a Ucrânia em primeiro. É um pouco irrelevante. O importante é mesmo o facto de cerca de 15% dos ucranianos possuírem criptos. E talvez a estatística esteja muito, muito por baixo.
A Ucrânia já era uma referência no que dizia respeito à adoção de criptos e, depois da guerra, e do decreto de legalização publicado pelo governo, ficou ainda mais.
Dois dias depois de começar o conflito já o Governo Ucraniano estava a pedir apoio em criptos para uma wallet própria. Sim, dois dias… e desde então não parou. A guerra também se tem feito com a ajuda das criptos.
Há 3 dias foi identificado pelos “detetives das criptos“ o movimento de dois mil milhões de dólares de carteiras do Governo Americano (confiscadas no passado) para a exchange Coinbase e de imediato surgiram rumores de que esse movimento poderia estar por trás de um apoio dos Estados Unidos à Ucrânia.
Talvez não tenha sido esse o propósito do movimento, mas o mundo cripto é assim. É possível rastrear todos os movimentos, ainda que não se saiba quem é o dono (exceto se for tão evidente, como foi o caso). É possível saber quando um governo manda dinheiro da sua wallet para a wallet de outro país. É fantástico! Tanto acusaram a bitcoin de ser o dinheiro dos maus, mas agora começa-se a perceber que se acabam os esconderijos quando conseguimos rastrear cada “nota” da sua origem para cada destino. Os contribuintes não precisam de esperar pelas contas de fim de ano. Sabem no mesmo instante!
Ainda que a Ucrânia tenha estado nos radares nos últimos anos, existe uma parte surpreendente da Ucrânia que está fortemente ligada à energia. E os ucranianos querem tirar partido disso mesmo. Quer da capacidade de produção de energia nuclear, quer do posicionamento estratégico e fornecimento de gás. Os ucranianos perceberam que existe valor a acrescentar ao valor da energia e uma das formas é minerar bitcoins, outra processar dados, outra produzir… hidrogénio!
Antes da invasão, estavam já alinhavados dois planos de transformação dessa energia. Um deles tem de facto a ver com data-centers e mineração de bitcoins, mas há outra que gerará forte impacto na Europa e àcerca da qual pouco se tem falado (ou nada): produção de hidrogénio.
A Ucrânia estava a preparar-se para uma de duas coisas – ou mesmo para as duas – no que respeita a esta segunda linha de negócio: produzir hidrogénio para a Europa e enviá-lo via pipeline dedicado, ou juntando hidrogénio ao gás já transportado. Esse será um tema no futuro.
A conclusão é de que, pelo meio de uma guerra brutal, os ucranianos têm acumulado bitcoins e têm aumentado a intenção de minerar bitcoins. A Rússia anunciou o mesmo não há muito tempo. Estou certo que cada uma das partes terá um propósito diferente, mas numa coisa estão surpreendentemente ligados: ambos os governos concordam que a bitcoin lhes é favorável e estão determinados a investir. Com a bitcoin nestes valores, ambos estão claramente a ganhar.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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