Reservas estratégicas: depois do carro elétrico, também vamos ser negacionistas na bitcoin?

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Portugal é o 13º país com maiores reservas de ouro. Estamos acima de países como Arábia Saudita, Espanha e Reino Unido. É legítimo perguntar para que serviu tamanha reserva de ouro, que em 1974 ultrapassava as 800 toneladas e hoje está abaixo das 400 toneladas

As grandes vendas aconteceram precisamente depois do 25 de abril, naturalmente resultando numa redistribuição de riqueza e enriquecimento generalizado da população. Porventura, sem o ouro que se vendeu poderíamos não ter conseguido aguentar a Revolução de Abril

A bitcoin já ultrapassou a discussão do café, a discussão de quem tem ou não bitcoin. Como costumo dizer, a bitcoin tem os aficionados, os negacionistas e os oportunistas. Os aficionados acreditam que não há mundo sem bitcoin, os negacionistas acham que só os bandidos têm bitcoin, e os oportunistas traduzem a bitcoin em dinheiro e vão fazendo transações aqui ou ali sem se importarem muito se acreditam ou não no projeto: surfam a onda e tentam ganhar dinheiro com cada subida ou descida! No café ainda discute isso, sobretudo agora que a bitcoin está em novos máximos em valor, mas o tom já escalou e muito, e o que se falava nos cafés fala-se agora nas mais altas instâncias.

Neste momento já são governos a discutir se devem ou não fazer reservas estratégicas de bitcoin, como no passado fizeram de ouro, ou petróleo. A bitcoin deixou de ser uma conversa de miúdos. Depois de ter entrado em Wall Street, foi um tirinho até chegar aos ministérios de Economia e Finanças de muitos países.

El Salvador construiu reserva, o Reino do Butão e a Etiópia também, mas especula-se que países como Brasil, Argentina, Suriname e muitos outros adiram brevemente. Donald Trump anunciou em campanha uma reserva estratégica em bitcoins nos Estados Unidos, e das grandes, e muitos candidatos se têm posicionado da mesma forma em muitos países. Ou seja, mudanças nas eleições podem colocar governantes mais receptivos à bitcoin.

A Alemanha em 2024 decidiu vender as suas 50 000 bitcoins. Não as tinha sequer comprado, mas sim confiscado em Janeiro num caso de pirataria informática. Mas a decisão de venda dos cerca de 2,8 mil milhões de euros colocou pressão no mercado de bitcoin, ajudando, dizem especialistas, a empurrar a cotação para baixo, até porque esta venda coincidiu com a distribuição de bitcoins da massa falida Mt. Gox pelos clientes que as possuíam na plataforma. Não só a venda representou um sinal de que a Alemanha não estava de todo aderente a uma potencial reserva estratégica em bitcoin, como representou, à data de hoje, a possibilidade da Alemanha encaixar quase o dobro do valor.

E esta é uma das questões da bitcoin. A sua valorização que, dizem os crentes, será sempre crescente devido ao seu número finito. O mesmo aconteceu com a MT Gox, que faliu (em parte por ter sido vitima de roubo de muitas bitcoins) em 2014, num processo que levou 10 anos a resolver e que, quando ficou resolvido, fez ricos os seus clientes. É que, à data, os clientes viram as suas bitcoins que valiam cerca de 50 dólares congeladas por 10 anos e, quando as receberam de volta, elas valiam mais de 50 mil dólares!

A Europa está claramente a ficar para trás no que diz respeito a bitcoins. Apesar de alguns países, como Portugal, terem regulado do ponto de vista de utilizadores de bitcoin, a moeda digital parece não colher simpatia estratégica na grande parte dos países europeus.

Mas muito tem estado a acontecer e, com Trump, muita coisa pode mudar a velocidade ultrassónica. Rússia, Estados Unidos, Índia e até mesmo China podem estar a cozinhar uma futura economia em torno da bitcoin. E se a Europa se mantém afastada da discussão, podemos sofrer um gigante desaire no euro e, como tal, na nossa condição económica.

É que se o dólar acompanhar a bitcoin e o euro ficar para trás, podemos ter um gigantesco problema de inflação que ninguém à data de hoje consegue sequer estimar. Se a bitcoin for o que dizem que é, a renúncia da Europa pode representar empobrecimento generalizado.

Não é portanto disparatada a constituição de uma reserva em bitcoins, sobretudo se as maiores potências o fizerem. Para muitos, a bitcoin é ainda um mero jogo de computador e não tem utilidade nenhuma, por não lhe ter agarrada uma suposta utilidade. O argumento é quase sempre: o ouro tem valor tangível, como a prata e o petróleo… Os dólares, euros e restantes moedas obviamente também. Mas a bitcoin não está ligada a nada. Não tem valor tangível!

Mas esse pode ser precisamente um trunfo da bitcoin. O ouro, por exemplo, existe em alguns países não existindo noutros, tal como o petróleo, gerando vantagens competitivas e influência de uns na economia de outros. Além disso, pode sempre minerar-se mais ouro (ainda esta semana a China anunciou mais uma descoberta de um enorme depósito de ouro), ou retirar mais ou menos petróleo. Até se fala em extrair ouro e outros metais de meteoritos!

A bitcoin é finita, acessível de igual forma a todos os países, impossível de copiar, e representa uma enormidade de energia e dados processados para a produzir. Já imaginou que houve um momento em que as notas da Venezuela não valiam sequer o valor do papel em que eram feitas?!

A adoção da bitcoin pode trazer mais igualdade ao mundo se for vista e “manuseada” como tal. A sua adoção como reserva estratégica, pode proteger países com enormes inflações e enormes flutuações nas suas moedas como é o caso de Angola, Argentina, Venezuela e tantos outros em alguns momentos mais ou menos longos da sua história. Assim como Portugal se permitiu a consolidar a revolução de Abril porque tinha um depósito de bens tangíveis (ouro), outros países podem proteger-se de situações circunstanciais das suas economias através das suas reservas de bitcoin.

É isto que se discute em muitas salas fechadas, porque neste momento temos um verdadeiro jogo de gato e rato. O país que anuncie as suas reservas antes de as formar, arrisca-se a ter que comprar bitcoins mais caras devido à sua subida de preço com o anúncio; por outro lado, por se tratar de um “produto” relativamente novo, essas reservas não podem geralmente ser constituídas nos países democráticos sem que haja discussão parlamentar.  É portanto como Schrodinger: o gato está simultaneamente morto e vivo até que alguém abra a caixa. Quem estará hoje efectivamente a fazer essas reservas?

Obviamente, pensar em trocar ouro por bitcoins pode ser ainda prematuro e até mesmo inconsciente, mas ignorar a tecnologia como os países europeus estão a fazer pode ser um sério risco para todos nós, europeus. É que a bitcoin ou vinga ou não vinga! Não há meio termo. E, se vingar, os últimos a chegar vão sempre ser os mais fracos. É também verdade que, se não vingar, esperto foi o que não fez nada. É a tal gestão de risco!

Uma coisa é certa, é preciso mergulhar seriamente no tema, porque a bitcoin pode mexer na política e na geopolítica. Os políticos não podem ser negacionistas nem oportunistas. Têm de olhar pragmaticamente para o tema pela ótica da tecnologia e depois pela ótica de contexto comparativo. Podem até ter de avançar só porque outros estejam a avançar ou recuar porque os outros estão a recuar.

Fomos negacionistas quando se começou a falar de carros elétricos e em cinco anos a nossa indústria automóvel foi ultrapassada por todos. Fomos negacionistas na fundação da web e ficámos muitos anos atrás dos americanos. Na inteligência artificial, talvez estejamos a ser mais cautelosos, mas ainda assim muito passivos e sem assumir nenhum relevante posicionamento estratégico.

Para o comum dos mortais, claro que a bitcoin é um tema complexo, e é por isso que precisamos que os governos criem as equipas certas para olhar o tema, sem dogmas e sem tabus, e assumindo um risco mais controlado do que aquele que nós, leigos, pudéssemos algum dia quantificar. Já muitos fundos de pensões mundiais estão expostos a bitcoins pela via dos ETFs ou empresas ligadas a bitcoins.

Não defendo a adoção de uma reserva nem sou contra ela. Gostava de sentir que quem toma conta dos nossos impostos, inflação, reformas e reservas tivesse esse tema em mãos e até mesmo em prioridade para não voltarmos a ser ultrapassados. No passado, fomos.

Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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