Gouveia e Melo, o candidato bitcoin: defrontá-lo sem um plano é como ir barrado de mel para uma floresta de ursos

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Se o candidato fosse uma cripto, que cripto seria Defrontar Gouveia e Melo sem um plano é como ir barrado de mel para uma floresta impregnada de ursos

Com uma liderança folgada nas sondagens, Gouveia e Melo é o candidato improvável mais expectável entre os enunciados mas (ainda?) não anunciados: quando formalizou a sua indisponibilidade para continuar como Chefe do Estado Maior da Armada, o almirante criou subiu a parada, precipitando inclusive o avanço precoce de outros candidatos.

É certo que há sempre muitos candidatos à Presidência da República mas mais certo é estarmos habituados a candidatos da esfera política e não da esfera militar. Gouveia e Melo antecipou-se e, com isso, criou um turbilhão gigantesco nas salas de tetos altos onde os partidos tentam agora encontrar as “armas” mais hábeis para defrontar um adversário cuja vida e formação assentam na…estratégia! Como qualquer líder militar, Gouveia e Melo é acima de tudo um estratega de formação, devoção e paixão. Defrontá-lo sem um plano é o mesmo que ir barrado de mel para uma floresta impregnada de ursos.

Uma das regras básicas dos mergulhadores em mergulho profundo é não poderem emergir de forma rápida sem respeitar os patamares de pausa para descompressão durante a ascensão. O risco de uma subida rápida das profundezas do mar é enorme, para não dizer mortal.

Ora, Gouveia e Melo é submarinista e portanto sabe disso como ninguém. O seu percurso dos últimos anos mostra essencialmente duas coisas: uma estratégia de ascensão desenhada a régua e esquadro ao longo dos últimos quatro anos; e mostra que Gouveia e Melo está a seguir à risca tudo o que aprendeu acerca de mergulho em profundidade. Afinal de contas, Gouveia e Melo esteve quase toda a sua carreira mergulhado em águas profundas, até que a Covid-19 o “convidou” a subir.

Além de embolias numa subida demasiado rápida, levar demasiado tempo ou uma má regulação dos gases inalados em profundidade podem originar o que se chama de “bebedeira do mergulhador“. A palavra “bebedeira” não é casual. Efetivamente, os mergulhadores  podem confundir-se eles próprios com peixes que perseguem freneticamente, perdendo a noção total ou parcial da realidade, correndo o risco de afogamento.

Quando António Costa o chamou, Gouveia e Melo assumiu os riscos da subida demasiado rápida, os riscos da dita embolia, e veio à superfície sem respeitar os necessários patamares de descompressão. O dever militar pode tê-lo feito arriscar. Afinal, é para isso que um militar é treinado: para colocar a pátria acima da vida.

A sua postura – talvez acompanhada de alguma “euforia do mergulhador” – trouxe na sua emersão uma personagem única. Os portugueses tinham duas opções: odiá-lo ou amá-lo, porque a personagem Gouveia e Melo não permite indiferentes. Pelas sondagens atuais, os portugueses parecem ter decidido amá-lo, mas há uma grande diferença entre amar pelo que se fez ou amar pelo que se é. Os portugueses sabem o que Gouveia e Melo fez, mas será que sabem o que Gouveia e Melo é?

A estratégia de ascensão

Gouveia e Melo soube que a sua subida de urgência nos tempos da Covid foi demasiado rápida, mas, como é submarinista, também soube que o facto de um mergulhador sobreviver à subida não significa que ele esteja longe de perigo: a embolia pode vir depois. A forma de minimizar essa possibilidade chama-se câmara hiperbárica, uma cápsula pressurizada que simula a pressão e onde o mergulhador se coloca para, sob pressão controlada, compensar a posteriori a falta de patamares de descompressão durante a subida.

Estrategicamente, Gouveia e Melo saiu da missão Covid e manteve-se na dita câmara a “descomprimir” o impacto da sua ascensão. Mantendo-se fechado durante três anos, balanceou os riscos da ascensão ao mesmo tempo que colhia a simpatia dos que o amavam e dos que lhe reconheceram o risco que correu por todos, ignorando os riscos para si próprio.

Estava cumprido o Passo 2 da estratégia. Haveria um Passo 3, que vem também das aulas de mergulho em profundidade: os riscos de subida em altitude.

Depois de um mergulho, e mesmo respeitando todas as etapas de descompressão, os mergulhadores ficam impossibilitados de subir em altitude – precisamente pelo mesmo risco. O corpo pode não aguentar as pressões elevadas debaixo de água, seguidas da pressão ao nível do mar no momento da emersão, e posteriormente também numa subida em altitude, que leva a pressões ainda mais baixas devido à rarefação do ar.

Gouveia e Melo submerge rapidamente, enfia-se na câmara hiperbárica para compensar essa subida, e só agora, depois da longa descompressão, lhe é permitido sem riscos subir em altitude. É aí que entra esta candidatura à Presidência da República.

A julgar pelas sondagens, o conhecimento e a experiência que resultam no desenho de uma estratégia sólida parecem estar a fazer a diferença.

O candidato bitcoin

Não consigo resistir às analogias que o mundo nos coloca à frente. Se a exposição de Gouveia e Melo pudesse ser desenhada num gráfico de pressão, teríamos um gráfico bastante semelhante ao da cotação da bitcoin.

A bitcoin foi a primeira criptomoeda e emergiu de forma quase meteórica: como quase todas as criptomoedas, quando aparecem valem muitos zeros à esquerda seguidos de qualquer coisa.

Depois do surgimento da bitcoin, surgiram quase de imediato outras criptomoedas assentes no mesmo principio de blockchain. Vou deixar aqui algumas por ordem: bitcoin (2009), namecoin (2011), litecoin (2011), peercoin (2012), ripple (2012), dogecoin (2013), dash (2014), monero (2014). Deste grupo pioneiro, a Namecoin e a Peercoin estão praticamente extintas.

Se Gouveia e Melo fosse uma criptomoeda, seria sem dúvida a bitcoin!

Já temos alguns candidatos confirmados a estas eleições presidenciais, mas sabemos que mais virão. Alguns serão repetentes – talvez poucos – mas adivinham-se muitas caras novas, sobretudo nos partidos de topo.

Por agora somos alimentados por expectativas e pelas sondagens, que são quase sempre o pulsómetro para que o candidato A ou B avance. Haverá pseudocandidatos que nunca chegarão a candidatos, tal como no mundo das criptos apareceram muitas que acabaram por não vingar. António Vitorino pode ser um deles, mas haverá muitos mais, tendo em conta que as últimas sondagens despejaram uma nunca vista quantidade de nomes.

Sem o confirmar formalmente, Gouveia e Melo foi o primeiro “candidato a candidato”, e também por isso lhe atribuo nestas eleições a cripto bitcoin. 

Ter sido a primeira cripto não dá à bitcoin a certeza de que será a melhor. É certo que a bitcoin vale mais do que metade de todas as outras milhares de criptos, mas, apesar da tecnologia blockchain ser a mesma, os propósitos de outras criptos são bem diferentes dos da bitcoin. Um belo exemplo disso são a solana, a XRP e a ethereum, todas elas fortes candidatas a ultrapassar a bitcoin em valor pelo facto de terem outro tipo de objetos dentro das suas blockchain.

A bitcoin tem tido altos e baixos, mas tem-se mantido como a mais estável e determinada ao longo dos anos. É mais imune no longo prazo a grandes flutuações quando comparada com outras criptos que oscilam bastante no curto prazo mas não têm a performance de longo prazo da bitcoin.

A bitcoin parece ter sido criada por um submarinista. quando olhamos o seu gráfico, vemos claramente os diversos patamares de descompressão (neste momento tem-se mantido no patamar dos 100 000 dólares +/- 5 000 dólares), mas quando se olha o histórico, aparenta ter uma trajetória tendencialmente infinitamente ascendente, apesar de algumas baixas significativas.

Gouveia e Melo arranca para as eleições com uma sólida vantagem, construída com base naquilo de que as pessoas recordam: o que ele fez, mais do que aquilo que está a fazer no presente, já que Gouveia e Melo tem feito uma acutilante gestão do silêncio.

A posição de Gouveia e Melo parece bastante estabilizada. Naturalmente, de cada vez que surge uma nova cripto – como aconteceu com a Trump e Melania -, alguns recursos acabam por desviar-se da bitcoin para estas novas criptos, que parecem oferecer boas oportunidades de curto prazo. Muitos desses investimentos espontâneos têm originado perdas brutais para os investidores (se é que comprar uma memecoin pode ser considerado sequer um investimento) e acabam até por colocar em causa a credibilidade do sistema como um todo, mas no fim do dia têm sido as criptos mais consistentes a voltar a recolher os investidores escaldados. Também nestas eleições irão aparecer candidatos com os mesmos propósitos, que originarão o mesmo resultado.

Gouveia e Melo ganhou a bitcoin também porque, além de ter sido o primeiro candidato e ter uma curva semelhante, o almirante tem ideias para o país. Tal como a bitcoin é sobretudo um produto tecnológico blockchain, Gouveia e Melo tem também por detrás de si muitas ideias para o país, quase todas de foro tecnológico. Até arrisco a dizer que, fruto da sua experiência militar, terá mais ideias como governante do que como Presidente.

Há um podcast curioso onde Gouveia e Melo levanta a ponta do véu, em amena cavaqueira, e fala do que pensa do país e de como o vê em termos de potencial. Temo dizer que tem lá muito de visionário, seja no controlo do mar, na vivência no mar, nos datacenters submersos, na Inteligência Artificial e em tanta outra tecnologia. Quando muito se diz acerca do silêncio de Gouveia e Melo e dos votos que perderá em cascata quando começar a falar… arrisco aqui dizer que as suas palavras talvez venham a ser um enorme balde de água fria para muitos que esperam que ele perca. Gouveia e Melo sabe falar de futuro, sabe falar de ciência, sabe falar de riqueza e tem, na cabeça, muitos projectos que poderiam mudar Portugal.

É preciso ter algum cuidado com o que se deseja, porque Gouveia e Melo pode ser o candidato com mais “hard skills” – competências técnicas -para a função.

Onde efetivamente pode falhar, como quase todos os militares falham, é nas “soft skills” – competências pessoais. Talvez só aqui possa ser destronado, porque o pragmatismo militar é quase sempre o oposto da adaptabilidade política. O tom austero pode assustar mais do que a austeridade do conteúdo e pode ser esta a fraqueza do almirante. Não se julgue é que um militar parte para uma missão sem ter muito clara a sua estratégia e objetivos. Vai ser um osso duro de roer! 

Vale muito a pena ouvir Gouveia e Melo e, em algumas coisas, até tentar copiá-lo, como tantas criptos copiaram a bitcoin.

Lembre-se que o propósito para a qual nasceu a bitcoin não é atualmente a grande fonte do seu valor. A forma como tem sido interpretada, utilizada e percecionada ao longo dos anos tem mudado. Como diria Lavoisier, “Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma”. Veremos no que se irá transformar o candidato Bitcoin!

Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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