Os EUA estão a rejeitar cérebros. A Europa tem a obrigação (e a oportunidade) de os acolher

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Em tempos de polarização, até o conhecimento se torna vítima da política. A mais recente onda de restrições aos estudantes internacionais nos Estados Unidos — especialmente visível em Harvard, onde centenas enfrentam entraves burocráticos e culturais — abre uma oportunidade sem precedentes à Europa. Uma oportunidade para fazer aquilo que, no fundo, deveria estar no seu ADN: atrair talento, promover diversidade e liderar pela inteligência.

Harvard está a perder talento. A Europa devia ganhá-lo.

Harvard é apenas o nome mais simbólico de um fenómeno mais amplo. A crescente hostilidade do clima político norte-americano em relação à imigração — incluindo estudantes altamente qualificados — está a afastar milhares de jovens que procuram o melhor ensino superior. Só em Harvard, são cerca de 7.000 estudantes internacionais, muitos deles em programas de mestrado, doutoramento ou especialização. Cerca de 25% da população estudantil da universidade.

Estes não são turistas académicos. São engenheiros, gestores, cientistas, empreendedores e líderes de comunidades. Muitos já com experiência profissional relevante e uma ambição rara: continuar a investir em si mesmos.

Ao fechar-lhes a porta, os EUA não estão apenas a dar um tiro no pé. Estão a abrir uma janela para o resto do mundo — e a Europa deve estar à frente da fila.

A Europa já sabe acolher. Mas precisa de saber escolher.

Portugal, Alemanha, França, Espanha e Itália são hoje destinos de milhares de estudantes internacionais. Só em Portugal, o número de alunos estrangeiros no ensino superior ultrapassou os 74.000 em 2023, representando mais de 15% do total de estudantes universitários, segundo a Direção-Geral do Ensino Superior. O Brasil, a China, Angola e Cabo Verde lideram as origens.

No entanto, a maior parte destes estudantes são atraídos por afinidade cultural ou língua, e nem sempre por programas de elite. Esta é uma oportunidade para mudar isso.

A Europa deve criar uma coalizão de universidades de topo — de Lisboa a Paris, de Zurique a Amesterdão — para lançar um programa de emergência para atrair estudantes internacionais altamente qualificados que estejam a ser excluídos dos EUA.

Quanto custaria? Muito menos do que perder esta oportunidade.

Vamos a números. Um ano de propinas num MBA da Harvard Business School custa mais de US$ 76.000. Acrescente-se alojamento, seguros e custos de vida: um aluno pode facilmente gastar mais de US$ 120.000 por ano em Boston.

Na Europa, mesmo as universidades privadas raramente cobram mais de 30.000 a 40.000 euros por ano (e as públicas muito menos). O custo médio de vida em cidades como Lisboa, Madrid ou Berlim é 30% a 50% inferior ao de Boston ou Nova Iorque.

Com uma bolsa europeia de 20.000 a 30.000 euros por ano por estudante, seria possível atrair estas mentes brilhantes com um investimento global de cerca de 210 milhões de euros para os 7000 estudantes. Para referência: o orçamento anual da Comissão Europeia para programas de educação ultrapassa os 2 mil milhões de euros.

Ou seja, com apenas 10% desse valor poderíamos captar talento global de elite, reforçar a reputação do ensino superior europeu e contribuir para o rejuvenescimento demográfico, científico e económico do continente.

O impacto não é só académico. É económico, cultural e estratégico.

Estes estudantes não vêm apenas tirar cursos. Trazem ligações internacionais, investem nas economias locais, e muitos ficam — criando empresas, integrando centros de investigação ou assumindo cargos em multinacionais.

Segundo a OCDE, mais de 30% dos estudantes internacionais acabam por permanecer nos países de acolhimento após a conclusão dos estudos. Em áreas como saúde, tecnologia ou engenharia, estes talentos são absolutamente críticos.

Além disso, o multiculturalismo que trazem às universidades serve também os estudantes locais. Estudos da UNESCO mostram que a presença de estudantes estrangeiros melhora a performance académica global e aumenta as competências interculturais dos nativos.

De Harvard a Lisboa. Ou a Zurique. Ou a Paris.

O que propomos é simples:

  • Um plano de ação europeu para acolher até 7000 estudantes de elite em risco de exclusão dos EUA.
  • Uma rede de universidades com lugares específicos, equivalência acelerada de créditos e programas integrados.
  • Um programa de bolsas públicas e privadas, com apoio de empresas e fundações, para cobrir propinas, alojamento e integração.
  • Um portal único europeu para candidaturas internacionais de alto potencial — com base em mérito e motivação.

A resposta europeia deve ser rápida, eficaz e visível. Não se trata apenas de solidariedade. Trata-se de visão.

A inteligência é um recurso. E está à solta.

Num tempo em que se discute tanto autonomia estratégica, esta é uma das frentes mais óbvias. A guerra pelo talento é silenciosa, mas é real — e está a ser ganha por quem acolhe, integra e desenvolve. Se a Europa não aproveitar esta oportunidade, outros aproveitarão.

Em vez de discutir o declínio, podemos começar a semear o futuro.

Começando por 7000 mentes que só querem continuar a aprender.

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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