Apenas uns curtos meses depois de contratar um novo CEO para tentar revitalizar a empresa, a administração viu-se obrigada a rescindir o contrato com aquele que era apontado como o potencial salvador. O motivo? Violação das políticas internas por ter celebrado acordos diretos com um fornecedor com quem mantinha uma relação pessoal.
Políticas à parte, o relevante aqui é que o colosso Kohl’s ficou sem timoneiro e, por agora, pode ser visto como um enorme cargueiro à deriva — e a analogia não é inocente num momento em que as tarifas estão a condicionar a chegada de contentores com produto para abastecer as lojas.
Esta história é muito recente. Remonta a 1 de maio de 2025. Nesse mesmo dia, as ações da Kohl’s fecharam a 7,21 USD, numa quase permanente trajetória de queda face aos 14,04 USD com que encerraram 2024. Aliás, a 1 de maio de 2024, as ações estavam nos 23,55 USD — mais de três vezes o valor do mesmo dia do ano seguinte.
O passado versus o presente
A Kohl’s não é só uma empresa de retalho com lojas onde os clientes podem entrar, ver e comprar. A Kohl’s representa o modelo antigo de negócio, antes das compras online, e por isso analisá-la é, na prática, analisar o futuro.
Com mais de 1.000 lojas em 49 estados norte-americanos — mesmo após fechar 27 até abril de 2025 — continua a ser uma marca de referência. Os seus espaços, em média com 7.500 metros quadrados, são dedicados maioritariamente à moda e acessórios: dois segmentos que estão entre os mais penalizados pelas novas tarifas de importação. Este é, aliás, um dos pontos centrais para compreender o atual estado da empresa.
Hoje, a Kohl’s é vista como o patinho feio da bolsa, bem longe dos tempos em que era uma ação apetecida. Prova disso é que cerca de 50% das ações estão em posição short. Para quem não está familiarizado: uma posição curta representa uma aposta na queda. O investidor vende ações emprestadas, esperando recomprá-las mais barato, lucrando com a desvalorização.
Basicamente, é investir na queda.
Quando mais de metade do free float está em posição short, regra geral, o mercado está a antecipar uma possível falência ou, pelo menos, muita turbulência pela frente. Mas será mesmo esse o cenário?
Valor, reservas e realidade
A empresa vale neste momento cerca de 880 milhões de dólares — longe dos milhares de milhões de anos anteriores — e tem perto de 150 milhões em reservas de caixa.
Sim, é pouco para uma empresa deste tipo, mas tem acesso a uma linha de crédito de 1.500 milhões para tesouraria, o que lhe dá um conforto operacional razoável.
Do lado menos positivo, a dívida total é elevada, o que resulta num rácio de Debt/Equity desfavorável. Mas vamos ao que interessa: o negócio.
No último ano, a Kohl’s registou vendas na ordem dos 16.000 milhões de dólares, com um resultado líquido de 100 milhões. Representa uma quebra de 7% nas vendas e de 65% no resultado líquido. Sim, é duro. Mas é isto uma empresa falida?
Do meu ponto de vista, não. Isto é uma empresa a reestruturar, a otimizar, a repensar — muito antes de ser uma empresa a atirar a toalha ao chão.
Além disso, os ativos da Kohl’s são relevantes, nomeadamente o imobiliário, que tem valorizado em muitos estados americanos.
O retalho físico ainda conta — e muito
Quando vejo tanto pessimismo à volta de uma empresa que está claramente em transição, assusto-me com o que parecem ser evidências em contra-ciclo.
As lojas físicas estão, sem dúvida, sob pressão — quer nas vendas, quer na atração de clientes. Mas há um ponto essencial: sem essas lojas, o cliente também não tem para onde ir.
Há uma linha ténue entre o crescimento das vendas online e o colapso da presença física. O encerramento generalizado de lojas pode ter efeitos adversos difíceis de reverter: menos visibilidade de marca, menos confiança do consumidor e, acima de tudo, menos canais de contacto humano.
A loja física oferece algo que o digital ainda não consegue: experiência, imediatismo, toque, confiança e presença local.
É diferente comprar uma peça de roupa online e esperar por ela — ou entrar, experimentar e sair com ela vestida.
Além disso, a loja física pode ser um pilar logístico: ponto de recolha, devolução, apoio ao cliente — e até de upselling.
A decisão da Kohl’s de deixar de receber encomendas da Amazon em algumas das suas lojas pode parecer um passo atrás, mas talvez seja um reposicionamento estratégico. A lógica antiga era: o cliente vai buscar a encomenda e acaba por comprar mais alguma coisa. Mas a nova gestão decidiu limitar esse envolvimento. Para mim, uma boa decisão — se o objetivo for apostar num modelo mais misto e equilibrado entre físico e digital. O problema da Kohl’s, talvez, tenha sido não ter apostado cedo o suficiente nas vendas online.
A verdade é que o retalho físico ainda tem uma palavra a dizer. A Costco, por exemplo, aproveitou a febre do ouro para vender onças nas lojas — gerando milhares de milhões em receita adicional. Um caso de proximidade, confiança e conveniência. Estão agora a tentar fazer o mesmo com o paládio.
Expectativa — ou desajuste?
Amanhã saberemos os resultados. E talvez até um novo CEO.
Mas a decisão de cortar com a Amazon só teria sido tomada por uma de duas razões: desespero total ou costas largas. E se for a segunda? E se as vendas da Kohl’s estiverem muito melhor do que o mercado espera?
A questão das tarifas, por exemplo, pode ter levado à escassez de certos produtos — permitindo à Kohl’s escoar stocks antigos, gerando cash e rodando inventário. E num clima de incerteza, é comum o consumidor antecipar decisões de compra — por receio de falta futura.
O fecho de 27 lojas pode também ter representado uma mais-valia contabilística: o valor dos ativos é reavaliado e o imobiliário está em alta.
Amanhã o grande dia
A Kohl’s está sem CEO. Está num momento de viragem. Está a repensar o modelo de negócio.
Mas está longe de estar morta. Amanhã veremos onde está o ponto crítico. Uma quebra brutal dos resultados e das “guidances” pode atirar as ações para valores que aumentem a pressão sobre a empresa, mas factos e projeções favoráveis podem fazer os investidores virar a cara para o outro lado.
Ou seja, talvez o mercado esteja a olhar para a fotografia errada. E talvez a Kohl’s não seja um caso perdido — mas sim um exemplo de como a transformação do retalho não é linear, nem visível ao primeiro olhar.
Nota Importante para Leitores de Strategicist.com:
Este artigo, publicado em Strategicist.com, foca-se na análise estratégica e na dinâmica de mercado nos setores da criptomoeda e da estratégia corporativa. O nosso foco não é o valor das ações, mas sim a estratégia das empresas.
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