Feito. Promessa cumprida. Trump assina a dupla ordem executiva para as criptos, autorizando o estabelecimento de uma reserva estratégica de bitcoins ao mesmo tempo que acumula uma carteira de ativos digitais.
A bitcoin cai dos cerca de 90 mil para os 85 mil dólares durante os minutos seguintes a esta tão desejada assinatura. O mesmo aconteceu com a generalidade das outras criptomoedas. Caiu tudo após a melhor notícia que poderia sair dentro dos sonhos de qualquer cripto. Das duas uma: ou esta medida já era tão certa que o preço já refletia mais do que a própria notícia, ou os investidores sentiram-se defraudados pela forma ambígua como a ordem executiva está redigida. Basta ir às redes sociais para perceber que a segunda é a mais provável.
Trump foi muito inteligente. Cumpriu a promessa eleitoral da famosa reserva estratégica em Bitcoins que lhe deu milhões de votos, sem com isso criar nenhum tipo de compromisso do governo relativamente às criptos, a não ser – e não é de somenos – o real entendimento de que a bitcoin é de facto “ouro digital” e de tal forma relevante que pode fazer parte da lista de ativos em reserva estratégica.
Vamos por partes para tentar perceber a importância, ou não, da ordem acabada de assinar por Trump.
O que é uma reserva estratégica?
Uma reserva estratégica é uma reserva de recursos vitais, que o Estado governo mantém para assegurar segurança em períodos mais difíceis.
Dentro desta estratégia figuram, por exemplo, petróleo – com vista a segurar fornecimento em caso de situações como embargos de outros países, ou mesmo problemas logísticos como o que aconteceu no canal do Suez -, ouro e outros minerais – considerados estratégicos para a economia em áreas como defesa e medicina – ou moedas de diferentes países.
Os Estados Unidos em particular têm reservas estratégicas complexas que comportam, além de matérias primas e ativos financeiros, equipamentos de defesa assim como equipamentos médicos e medicamentos, como aconteceu com a vacina para a Covid-19, que entrou na lista de reserva estratégica no momento em que países lutavam pela sua disponibilidade.
A reserva estratégica nos Estados Unidos destina-se a fazer face, de forma autónoma, a catástrofes, sejam elas de guerra, furacões, vírus, economia, e tudo o que de imprevisível possa acontecer.
Promessa cumprida?
No texto da sua ordem executiva, Trump diz duas coisas fundamentais. Uma claramente positiva, e outra também positiva mas que parece ter ficado aquém das expectativas se olharmos para a imediata reação em baixa da bitcoin e das criptos em geral.
A positiva foi dizer que a reserva iria ser constituída por bitcoins confiscados, referindo que não serão vendidas as bitcoins que estão na posse do Estado e que se estimam em 200 mil neste momento. A outra tão ou mais positiva foi dizer que a reserva estratégica de bitcoins não será aumentada a custo dos contribuintes.
A interpretação do mercado foi de que Trump está de facto a fazer o mesmo do que Biden, mas está a fazer um marketing mais eficiente. Ou seja: o mercado está a entender que Trump assinou uma ordem que não passa de um “nothing burger” como dizem os americanos, ou um hamburger vazio.
Será mesmo assim? Terão sido más notícias, ou simplesmente todos esperavam que Trump fosse dar instruções imediatas para comprar um milhão de bitcoins, fazendo naturalmente subir o preço em flecha de um dia para o outro?
Uma ordem diabólica
A ordem de Trump é diabólica. Trump diz que poderão ser compradas mais bitcoins desde que tal não seja efetuado às custa dos contribuintes. Isto é excelente no sentido em que ninguém se pode opor à constituição da reserva de bitcoins porque ninguém vai sentir no bolso o custo da mesma, mas numa análise imediata, se não sair do Orçamento do Estado, então à partida a bitcoin não poderá ser comprada. E portanto fica a ideia de que a ordem executiva apenas legitima o governo a não vender as bitcoins confiscadas.
Foi isto que o mercado parece ter entendido: Trump assina uma ordem executiva que não deixa vender nem comprar bitcoin. Ou seja: uma coisa cheia de nada!
Os investidores de retalho reagiram ao desapontamento vendendo durante a noite as bitcoins que tinham no bolso, mas não estou tão certo de que Wall Street vá seguir esta linha assim que abrir às 14.30 desta sexta feira. O desapontamento dos maximalistas do retalho não será compatível com a sofisticação dos lobos de Wall Street. Os lobos sabem o que significa fazer parte da estratégia e vão-se posicionar tentando antecipar os impactos desta medida.
Do meu ponto de vista, a ordem executiva é o melhor que se poderia esperar para a bitcoin: não só não lhe impõe um teto como lhe dá uma perspetiva de um futuro sustentado. É claro que Trump não poderia anunciar uma compra massiva de bitcoins anunciando que ia comprar biliões em bitcoin de um momento para o outro, ou então aconteceria como o gato de Schrodinger: quando os fosse a comprar, já o preço não era o mesmo.
O que os retalhistas não viram foi o potencial desta ordem executiva e o xadrez a quatro dimensões que Trump parece gostar de jogar.
Trump pode agora jogar com as reservas estratégicas e com os ativos do Estado que representam muito, mas mesmo muito dinheiro. Trump pode, por exemplo, vender ouro para comprar bitcoin sem quebrar o compromisso da ordem executiva, e com isto fazer descer o ouro enquanto faz subir a bitcoin, mas Trump pode fazer ainda mais.
Trump pode, por exemplo, vender euros das suas reservas para comprar bitcoins, fazendo descer o euro ao mesmo tempo que faz subir a bitcoin, e ganhar nas 4 dimensões: reduzir a inflação que advirá das tarifas, manter o dólar equiparável ao euro enquanto baixa as taxas de juro, fazer subir o valor das bitcoins nas suas reservas, e pressionar a inflação na europa. Quem já ouviu falar do “Acordo Mar-a-lago” para desvalorizar o dólar significamente ao ponto de renegociar dívida americana sem juros entre outras nuances percebe que a bitcoin pode ser mesmo a quinta dimensão de um plano económico arrojado que tem estado a ser forjado à porta fechada.
Os EUA podem inclusive mexer com títulos de dívida da Alemanha ou de outros países, vendendo-os para comprar bitcoins, já que o decreto só não deixa onerar os contribuintes, mas não proíbe a redistribuição de ativos do Estado. Pode ainda fazer o mesmo com o petróleo, com prata, com bens imobiliários, e de tantas outras formas. O decreto que parece limitativo é na verdade um cheque em branco.
Um cheque em branco
Imagine a bitcoin entrar em concorrência com os ativos do México, Canadá e Europa, com quem Trump tem estado numa guerra comercial aberta. A bitcoin é de facto a ferramenta que lhe pode trazer vantagens competitivas, reduzir o risco do país e colocar em dificuldade os adversários comerciais.
Os investidores de curto prazo acharam ter perdido a oportunidade de aumentarem os seus investimentos drasticamente de um dia para o outro, mas os de longo prazo podem de facto vir a colher o inimaginável mesmo para os mais optimistas. Os EUA de facto tomam posse da bitcoin e agora vão ser os EUA a definir o seu percurso daqui para a frente.
Esta era a única ordem executiva que faria os outros países terem que reagir…e decidir se copiar ou repudiar. Vai ser mais uma arma de guerra económica a travar e a europa vai ter que discutir o tema seriamente e rapidamente.
Mas então e a “Crypto Summit” na Casa Branca, que tem lugar hoje mesmo?
Hoje vai decorrer na Casa Branca uma reunião com Trump e as mais relevantes entidades do mundo cripto. CEOs da Coinbase, Robinhood, Strategy (ex-Microstrategy) junto com investidores como Catie Woods e muitos outros pesos pesados vão se juntar a Trump supostamente para discutir o futuro da bitcoin. Acontece que, ao anunciar ontem a constituição da reserva estratégica, Trump esvaziou uma das grandes expectativas quanto ao resultado desta reunião.
Se está decidida a reserva, então não será necessária uma reunião que se julgava ser relevante para convencer o Presidente a constituir a mesma. Existe certamente outra carta de Trump – e sabemos que, quando Trump chama alguém para uma reunião, no final são anunciados investimentos ou outras valias para os EUA.
Ou seja, ontem Trump deu a ordem, hoje vai pedir em troca. Com a queda da bitcoin pós-anuncio ontem à noite, o ambiente poderá ser um pouco tenso. Aliás, a julgar pelo mercado, esta reunião mais parecerá um funeral.
É estranho o Presidente dos EUA ter feito o anúncio antes de falar com os grandes empreendedores bitcoin, mas não é estranho para um Trump .Ontem criou o incêndio e hoje aparece com o extintor. Assim funciona Trump.
Ainda há em cima da mesa uma “manilha de paus” a ser jogada: a questão dos impostos sobre criptoativos. Se por um lado Trump isenta ou reduz os impostos nestes activos, as notícias vão ser brilhantes para todos os que estão na sala, ou fora dela. É essa a expectativa, mas certo é que quem vai à Sala Oval tem que deixar pele na mesa. Reduzir impostos é o oposto disso!
Trump talvez tenha arquitetado uma forma de, ao mesmo tempo, retirar impostos às criptos e conseguir que sejam as criptos a pagar a constituição da tal reserva que não pode ser suportada pelos contribuintes. Talvez Trump esteja a constituir um novo conceito de impostos, talvez pagos em criptos diretamente e talvez possam ir diretamente para a reserva estratégica. Talvez venha aí uma espécie de “fees” de transação a reverter para os cofres da reserva. Não seria surpreendente mas com Trump tudo é imprevisível.
Hoje será um grande dia para as criptos. Para muitos, a consolidação do que esperavam; para outros, a ideia de que perderam o comboio; e para outros ainda a certeza de que não têm qualquer ideia do que fazer a seguir.
Trump vai tentar dominar as criptos. Temo que, desta forma, entrar no barco, ou não, vai deixar de ser opção para os outros países. Trump vai mesmo atirar todos para o mesmo barco. E vai ser ele a vender os bilhetes!
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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