O meu primeiro artigo para a CNN foi publicado a 16 de novembro de 2024. Pode ser lido aqui: “O que têm em comum um cromo de Cristiano Ronaldo e a bitcoin acima dos 80 mil dólares?” Na altura, a bitcoin subia, não tão silenciosamente, e rondava os 80.000 dólares — um valor elevado face à média anual e, sobretudo, um valor que se revelaria uma barreira psicológica importante na trajetória da cripto mais valiosa de todas.
Seguindo o jargão do universo cripto — “cada um compra a bitcoin ao preço que merece” —, a verdade é que quem o dizia na altura acertou em cheio e quem não comprou terá agora de comprar bem mais caro. A bitcoin está neste momento a rondar os 120.000 dólares, cotando à data deste artigo acima dos 118.500 USD, sem sinais claros de correção à vista.
Se em Novembro havia alguma fundamentação política para a valorização, como a postura favorável da Administração Trump face aos criptoativos e a própria expectativa face à economia americana, hoje é mais difícil explicar por que razão a bitcoin saltou de um patamar relativamente estável nos 100.000 dólares para os atuais níveis impressionantes em pouco mais de duas semanas. Talvez — e aqui arrisco — a razão mais óbvia para esta subida seja justamente o silêncio.
O retalho (ainda) adormecido
Boa parte dos pequenos investidores que antes movimentavam o mercado cripto parecem estar adormecidos em relação à bitcoin. Muitos habituaram-se a subidas (e descidas) de três dígitos em curtos períodos. Subidas de 20% em um ou dois meses já não alimentam os sonhos de enriquecimento “fácil” – embora arriscado – de outrora.
Quem já viu a sua carteira disparar 200% em 90 dias pode, naturalmente, ter migrado para outros ativos mais “emocionantes”, nomeadamente do mundo cripto. Isso, porém, pode significar algo importante: esta subida é mais racional do que aquelas a que estávamos acostumados. Não parece resultar do típico efeito manada provocado por influencers, grupos de Telegram ou redes sociais.
Se o retalho não está a comprar em massa, quem está? A resposta parece ser: os grandes investidores institucionais, os “tubarões”. E se são eles que estão a entrar de forma agressiva, talvez estejam eles próprios a sentir o tão temido FOMO (Fear of Missing Out, medo de ficar de fora).
O dólar, o comércio e a geopolítica
É difícil saber com precisão o que motiva os “grandes” a acumularem bitcoins, mas há algumas pistas relevantes — muitas delas já exploradas nos meus artigos anteriores. Destaco seis:
1. Reserva de valor estratégica
A bitcoin está a ser considerada como ativo de reserva por alguns estados norte-americanos. Embora o governo federal não tenha formalizado compras, iniciativas estaduais (como no Texas e Wyoming) já discutem a inclusão de bitcoin como parte das suas reservas estratégicas.
Mesmo sem evidência de compras diretas pelo Tesouro, o simples debate institucional legitima a bitcoin e alimenta expectativas de médio prazo.
2. Tarifas e comércio internacional
A ameaça de tarifas generalizadas sobre importações — algumas na casa dos 20% a 30% — está a reconfigurar fluxos de comércio global.
Teoricamente, isso poderia valorizar o dólar, pois exportadores precisam acumular moeda americana para pagar as tarifas. Por outro lado, esse cenário pode pressionar a inflação nos EUA (via aumento de preços dos bens importados), o que historicamente fortalece ativos como o ouro e, mais recentemente, também a bitcoin.
Se a inflação sobe e a bitcoin continua a valorizar acima desses níveis, reforça-se o seu papel como hedge inflacionário.
3. Descolamento das bolsas
Os mercados acionistas continuam a bater máximos históricos, mesmo em meio à incerteza tarifária e fiscal. Na última semana, a bitcoin operou em claro contra-ciclo com os principais índices americanos — algo novo e digno de atenção.
Historicamente, a bitcoin não se comportou como ativo de refúgio. Mas se os investidores estão a recorrer simultaneamente ao ouro, à prata e à bitcoin… talvez estejamos perante uma mudança estrutural na perceção do ativo digital.
4. A “beautiful bill”
O novo orçamento americano — ainda por aprovar — prevê cortes massivos de impostos e um aumento ainda mais colossal da dívida pública
A inspiração parece vir tanto do modelo Milei na Argentina quanto das primeiras medidas económicas de António Costa em Portugal, no sentido de impulsionar o consumo via transferências diretas às famílias.
Num país sem crise aguda, porém, este modelo pode gerar efeitos colaterais difíceis de prever — como um salto no consumo não produtivo e, claro, mais liquidez no mercado, parte da qual pode acabar na bitcoin.
5. Taxas de juro: incerteza e pressão
Donald Trump pressiona Jerome Powell por cortes nos juros, enquanto Powell teme que isso acelere a inflação — especialmente num ambiente de tarifas e consumo elevado.
A narrativa de juros baixos geralmente impulsiona ativos de risco como a Bitcoin — e os mercados já estão a antecipar possíveis cortes até ao final de 2025.
6. Dólar em queda
O dólar acumula uma desvalorização de mais de 10% só em 2025, assustando quem o detém como reserva de valor.
A fuga de moedas frágeis para o dólar é comum em tempos de crise, mas se o dólar também enfraquece, a Bitcoin torna-se uma alternativa lógica.
Tubarões em silêncio, mas em ação
Ao contrário das fases anteriores de valorização da bitcoin — marcadas pelo frenesim do retalho, vídeos virais e fóruns em ebulição —, o momento atual é de uma calma quase desconcertante mesmo perante uma subida de preços fulminante. Mas essa quietude esconde uma movimentação intensa nos bastidores: desta vez são as instituições, governos e grandes fundos que parecem estar a acumular silenciosamente.
Essa mudança no perfil dos compradores altera profundamente a dinâmica do mercado. A bitcoin está a subir, sim, mas com menos ruído e mais convicção. É um crescimento alimentado por fundamentos macroeconómicos, por expectativas inflacionárias, e por uma crescente desconfiança em relação ao dólar como reserva de valor.
A valorização de mais de 50% desde novembro não foi movida por sonhos fáceis, mas por decisões estratégicas de quem joga no longo prazo. E isso pode ser um sinal claro de maturidade do ativo — e do mercado como um todo.
Se o retalho continuar ausente, e os “tubarões” mantiverem o apetite, talvez ainda nem tenhamos visto o verdadeiro topo deste ciclo.
Às vezes, os maiores movimentos não fazem barulho. E é precisamente isso que os torna mais perigosos — ou promissores.
Artigo publicado na CNN. Veja aqui