Casa própria: o investimento que pode prender mais do que libertar

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Escrevemos sobre como escolher uma casa que prepare o futuro; defendemos que o crédito à habitação é uma oportunidade, não um fardo; e ainda dá uma "dica de ouro" para investir no imobiliário

Um país de proprietários… e de pobreza

Portugal de proprietários pobres. Somos um dos países com maior percentagem de casa própria da Europa — cerca de 76% da população, segundo o Eurostat (2023). Ainda assim, 2,1 milhões de pessoas vivem em risco de pobreza.

Como é possível que um país com tantos proprietários tenha tão poucos beneficiados pela valorização do imobiliário?

A resposta pode estar no modo como compramos casa. Mais do que um investimento, a casa própria transformou-se num símbolo de segurança, estabilidade e até realização pessoal. Mas será mesmo o melhor uso do nosso esforço financeiro?

Comprar casa: proteção ou prisão?

Em Portugal, a casa própria é muitas vezes o primeiro e maior investimento da vida adulta. Compramos cedo, assim que o salário e o banco o permitem. Mas com frequência fazemos essa escolha com base em projeções emocionais — e não em critérios de rentabilidade futura. Poucos serão os que compram casa própria projetando uma eventual venda futura, e aí pode estar o erro na perda de oportunidade.

Mais ainda: o crédito à habitação, com prazos de 30 ou 40 anos, prende-nos não só ao local, mas também ao emprego. A flexibilidade profissional diminui com a compra de casa e com o encargo que a mesma representa. Perder o trabalho para quem contraiu dívida junto do banco passa a ser um risco duplo: financeiro e habitacional.

O erro mais comum: comprar para a vida… sem saber como será a vida

Imaginemos o caso do Silva. Morava sozinho, mas decidiu comprar um T2 na periferia em vez de um T0 no centro, ambos com o mesmo preço. Até preferia morar no centro mas pensou no futuro — numa eventual vida a dois, num quarto para os filhos que virão, na sala espaçosa para todos.

O Silva parecia ser um rapaz sensato. Mas cinco anos depois, conheceu alguém e decidiu juntar os trapos ou, aliás, as paredes. Só que essa pessoa também já tinha comprado uma casa grande na periferia com a mesma lógica. Resultado: duas casas sobredimensionadas e mal localizadas para revenda. A lógica emocional não correspondeu à lógica do mercado. Ambos pensaram no mesmo projeto, mas como deram prioridade às emoções e ao futuro incerto, deixaram passar as oportunidades de mercado.

Se ambos tivessem comprado um T0 no centro, poderiam vender as duas casas, comprar uma moradia na periferia e ainda lhes sobrava pé de meia para investir noutras oportunidades.

Habitação: ativo ou despesa?

Ao escolhermos casa, raramente pensamos em valorização futura, liquidez ou mesmo rentabilidade de arrendamento. Procuramos a “casa ideal” para nós — e não o melhor ativo habitacional. E assim perdemos oportunidades:

  • de comprar em zonas em crescimento;
  • de remodelar imóveis com potencial;
  • de alugar com maior retorno por m²;
  • de revender com lucro significativo.

Pior: muitas vezes investimos em casas grandes, longe de tudo, que pouco ou nada se valorizam. E que se tornam difíceis de vender ou arrendar a preços decentes quando a vida efetivamente muda. 

O crédito à habitação é uma oportunidade, não um fardo

O crédito para casa própria continua a ser uma das formas mais acessíveis de financiamento a longo prazo. Em vez de o usarmos apenas para garantir “um teto”, podíamos usá-lo para ganhar liberdade futura. Este tema é pouco ou nada discutido, mas faz parte do desenvolvimento da literacia financeira.

Comprar com critério de investimento — localização, liquidez, potencial de valorização — pode dar-nos uma casa onde viver e um pé-de-meia para o futuro. E não precisamos de abdicar de conforto, apenas de ilusões e de projeções que muito dificilmente a vida tratará de confirmar.

Falta-nos uma bola de cristal e, portanto, há que pensar pelo racional, pelo menos quando ainda estamos a dar os primeiros passos da vida adulta.

Dica de ouro: compre para o mercado, não (só) para si

Se está a comprar a sua primeira casa, pense como investidor:

  • A casa está numa zona com procura crescente?
  • É fácil de vender ou arrendar?
  • Tem potencial de valorização ou de melhoria?
  • Tem um tamanho “líquido” (T0, T1, T2) fácil de transacionar?

Se responder “sim” a estas perguntas, está a construir um ativo, não apenas a comprar uma morada.

Há ainda outros critérios a considerar, e para isso também há consultores imobiliários de qualidade capazes de ajudar a procurar de uma forma mais focada no investimento do que no consumo próprio. No final do dia, poderá ter o melhor dos dois mundos.

A casa pode ser liberdade — se for escolhida com cabeça

Num país onde três em cada quatro pessoas são donas de uma casa, deveríamos ver mais prosperidade, mais mobilidade e mais oportunidades. Mas isso só acontecerá quando pararmos de escolher casas como quem escolhe um casaco — ao gosto pessoal — e começarmos a comprá-las como quem escolhe um negócio.

A casa ideal talvez seja a casa de sonho. Mas a casa rentável pode ser o trampolim para a casa de sonho… e para muito mais.

Se és jovem, não faças da casa uma âncora. Faz dela uma alavanca.

Compra bem, planeia melhor e não te apaixones pelas paredes. Apaixona-te pela liberdade que elas podem dar — se forem bem escolhidas.

Artigo publicado na CNN. Veja aqui

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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