Nos mercados financeiros, por vezes é mais importante fugir das quebras do que apanhar as subidas. Nos próximos quatro artigos, vamos falar de quatro crashes. Três que já aconteceram e um quarto que ainda não aconteceu.
Com isto pretendo relembrar o que a história permitiu que acontecesse, enquadrando esses acontecimentos disruptivos com as circunstâncias atuais e trazendo à baila o que pode ser repetível e o que pode não ser.
Prever um crash é algo praticamente impossível, mas não impossível!
O crash de 1929 ou a Grande Recessão
Aconteceu entre o fim da primeira guerra mundial (1914-1918) e o início da segunda (1939-1945). As bolsas americanas estavam ao rubro sobretudo desde 1927, subindo praticamente todos os dias. Foram anos loucos nas bolsas, acompanhados por uma atividade económica e industrial eufórica. A produção industrial estava imparável, o consumo era desmedido e a inovação, por razão ou consequência, estava também num período de permanentes disrupções.
Inovação evolutiva é uma inovação que essencialmente assenta no melhoramento de produtos ou serviços já existentes. Está mais ligado à otimização do que propriamente à criação de novas necessidades. A inovação evolutiva é uma espécie de melhoria contínua das funcionalidades de produtos ou serviços existentes. Não muda a vida, mas melhora a vida.
Já a inovação disruptiva é aquela que nos permite mudar a forma como fazemos as coisas enquanto, ao mesmo tempo, nos permite fazer coisas que não fazíamos.
Os EUA vinham, antes deste crash, da massificação do acesso a produtos disruptivos como eletricidade, comunicações e carros! De uma assentada, muda por completo o modo de vida dos americanos e, com isso, geram-se oportunidades quase infinitas para novos negócios.
Agigantaram-se empresas na área da indústria pesada, fabrico automóvel, transmissão de rádio e comunicações, tecnologia elétrica e desenvolvimento de infraestruturas elétricas, levando as bolsas a uma euforia tal que havia gente – e muita – a pedir dinheiro emprestado para atirar para dentro dos mercados bolsistas com a “certeza” de ganhos monstros.
Tudo parecia bom demais para ter um fim.
Os hábitos dos americanos estavam efetivamente a mudar a uma velocidade que só mesmo a América consegue implementar – e isso estava a criar riqueza para grande parte da população, fosse pela via do emprego, fosse pela via dos investimentos. Uns mais do que outros, mas efetivamente todos estavam a ganhar e a ver agigantarem-se empresas como a U.S. Steel, a General Electric, a American Telephone &Telegraph, a Radio Corporation Amarica, a Bethlehem Steel, a General Motors, que seriam, equivalentes à data de hoje à Google, Tesla, Apple, Meta…
Com compras de ações suportadas por empréstimos, a alavancagem do mercado era enorme. Os investidores alavancados podem perder mais do que aquilo que investem e isso muda tudo quando o mercado sobe, mas sobretudo quando o mercado desce.
Os investidores alavancados tendem a ser mais nervosos porque, num qualquer momento de correção dos mercados, podem efetivamente ficar no vermelho e com uma dívida às costas.
Muitos dizem que “Só devemos investir aquilo que não nos afeta muito se perdermos” e outros tantos dizem que “Só devemos investir aquilo de que não precisaremos num longo período de tempo”.
No meu caso, não aceito nenhuma das duas expressões. Acho que investir é fundamental, se não para rentabilizar, para proteger as nossas poupanças do percurso inflacionário. Certo é também que não defendo de todo investimentos em bolsa alavancados, ou seja, investimentos em que investimos menos do que a exposição de risco que temos em termos de valor absoluto.
Ver um mercado que parece “certo como o sol nascer todos os dias” levanta, efetivamente apetite (e ganância) e torna-se aliciante investir mais, para se obter mais. Estar a ver as ações a subir diariamente sem qualquer tipo de retração apela ao instinto humano da crença na subida infinita e à hiper-confiança das nossas projeções. “Se todos os dias sobe, porque raio não devo investir mais?”
Assim pensaram e fizeram os americanos. Alavancaram os mercados tanto quanto podiam, sem olhar para os fundamentos das empresas, mas olhando sempre para o valor (crescente) das suas ações!
Se eu investir 10 dólares e pedir emprestados 90 dólares para comprar uma ação de 100 dólares, ficarei extremamente nervoso quando essa ação cair para 85 dólares. Não só perdi os meus 10 dólares, como perdi mais 5 dólares que não são meus, são dívida! Portanto, num mercado em queda livre, vender a 85 significa, ainda assim, salvar 85 dólares.
Um mercado extremamente alavancado só se sustém com uma economia muito forte, mas se o mercado estiver alavancado, tal também significa que as minhas expectativas são maiores do que as minhas capacidades reais de investimento.
Tiquetaque
Ora, em Setembro de 1929 os mercados começaram a apresentar algum nervosismo, precisamente porque as empresas começaram a apresentar resultados dececionantes perante as expectativas – se calhar infinitas – dos investidores.
A economia mostrava os normais sinais de fraqueza que quase sempre fazem parte dos ciclos económicos. A bomba-relógio já fazia tiquetaque, mas ninguém parecia querer ouvir.
Quinta-feira, 24 de Outubro de 1929
De manhã cedo começa uma onda de vendas brutal no mercado. Vários milhões de ações vendidos num curto espaço de tempo e ordens de vendas a chegar sem parar.
Os grandes bancos começam a comprar ações numa tentativa de estabilizar o mercado e conseguem. Devido a uma certa concertação de ações dos bancos, o dia acabou por não ser de quebra extrema, mas havia algo fundamental nos mercados que havia sido quebrado em cacos: A confiança!
Segunda-feira dia 28 de outubro de 1929
Boom!
A bomba explodiu. Dow Jones desaba 13% num dia e com isso dá-se o fim do sonho da subida infinita.
Os investidores mais recentes começaram a ter perdas assustadoras, os alavancados viam o sonho esfumar-se e a vida a mudar. Quem alavanca não pode esperar porque a partir de uma certa quebra já não está a perder poupanças, mas sim a constituir dívida.
Foi a famosa segunda-feira negra!
Terça-feira dia 29 de Outubro de 1929
O pânico não parava.
Os investidores começam a vender, uns para salvar o lucro, outros para salvar as poupanças, outros para evitar as dívidas ou mesmo a bancarrota.
No caso dos alavancados, os próprios brokers começam a vender quando a margem se esgota, a margem é o dinheiro que o cliente investiu dele, o resto é dos brokers. Cientes de que os seus clientes podem não conseguir pagar as dívidas após esgotada a margem. É a história da “margin call”.
Todos vendem e ninguém quer comprar e o mercado cai mais 11%
Foi a famosa Terça-feira negra!
Os mercados ainda foram tentando algumas recuperações, mas a tendência manteve-se de quebra numa espécie de morte lenta acelerada. Em 1932 o índice tinha caído 90%. Quem tivesse investido 1000 dólares antes do crash acabou em 1932 com 100 dólares.
Tudo se transformou numa enorme recessão que durou 10 anos, mas que não acabou nem com os mercados, nem com a economia.
Quem tivesse investido esses 1000 dólares e tenha aguentado até aos 100 dólares de 1932, veria novamente os seus 1000 dólares em 1950.
Claro que a crise que se deu início nos EUA se alastrou aos mercados de todo o mundo e o comércio internacional caiu perto de 65% entre 1929 e 1934.
Estar nos mercados implica conhecer os seus riscos. Os mercados financeiros estão sempre ligados à economia real, mas podem ter desfasamento no tempo de resposta. Normalmente os mercados financeiros antecipam-se. O que faz muito sentido. Em cada investidor há uma pessoa a pensar e a analisar, se muitas pessoas percecionarem que a economia não está bem, é muito provável que estejam certos. A diferença é que na bolsa, basta premir o botão para vender, mas na economia real, não basta premir um botão para vender uma linha de montagem de automóveis ou até mesmo para cortar custos ou funcionários.
Os mercados financeiros são, inevitavelmente, o resultado da economia, mas a falta deles também cria mais tensão na economia.
Mercados financeiros fracos implicam empresas com menos capacidade de se financiarem e de investir, o que origina impactos na economia.
A crise de 1929 foi único por várias razões:
sobre-aquecimento da economia, devido a várias inovações disruptivas que mudaram o tipo de vida das pessoas; uma perceção de que tudo estava demasiado bem para correr mal, ou seja, um excesso de confiança que leva a excessos de consumo assim como excesso de compra de ações no caso dos investidores; um mundo em paz – após uma guerra o sentimento de paz foi libertador e originou um certo espírito de “aproveitar a vida” que traz agarrada uma maior libertinagem no consumo.
A somar às circunstâncias, haverá um outro adicional, mas que talvez ainda prevaleça hoje: A apressada ganância.
Os mercados por definição dão a muitos investidores, sobretudo os amadores, uma perceção de que é rápido enriquecer nos mercados financeiros. A verdade é que os ganhos robustos nos mercados financeiros estão normalmente associados a visões de longo prazo e não ao curto prazo.
Como se viu em 1929, quem não fez nada recuperou o seu valor em 1950, para quem se aguentou mais 20 nos sem fazer nada conseguiu efetivamente o tal nível de enriquecimento. Quem olhou para o curto prazo e não para os pressupostos desse mesmo crash, acabou por saltar fora e ver passar o comboio.
Este é o primeiro artigo de quatro. Os próximos serão publicados nos próximos dias. Fique por perto.
Artigo de opinião publicando na CNN. Veja aqui