A subida do preço das casas parece insuportável, mas pode ser o início de um novo modelo de financiamento com potencial para impulsionar a economia de forma significativa.
Segundo a CBRE, os preços das casas em Portugal aumentaram 106% nos últimos dez anos. Já o Eurostat reporta um aumento de 55,4% na União Europeia durante o mesmo período. Esta discrepância é compreensível: em Portugal, os preços haviam caído drasticamente após a crise de 2008.
Com um PIB preso a uma média de crescimento de apenas 1,5% e um aumento do salário médio nacional de 36,5% no mesmo período — que, descontada a inflação, representa apenas 12,7% — é difícil encontrar um racional económico que justifique um aumento tão expressivo no custo da habitação.
Há, naturalmente, outros fatores que contribuem para esta pressão sobre os preços. A imigração é certamente um deles, tal como uma possível maior rotatividade dos imóveis, entre outros fenómenos complexos e difíceis de modelar. Mas o que parece cada vez mais evidente é que as casas estão a tornar-se um bem estruturalmente escasso.
Com preços a subir de forma desproporcional à inflação e aos rendimentos, torna-se mais difícil comprar casa — e, por arrasto, também arrendá-la. Os proprietários acabam por refletir os custos reais de aquisição ou de financiamento nas rendas, criando um ciclo vicioso que exclui cada vez mais pessoas do acesso à habitação condigna.
É aqui que entra o empréstimo vitalício.
Imagine comprar uma casa em que só paga os juros e um spread ao banco, sem amortização do capital. A prestação mensal desce substancialmente e o banco continua a ganhar. A qualquer momento, poderá amortizar o imóvel, ou simplesmente optar por nunca o fazer. Na prática, não comprou o imóvel no sentido tradicional — comprou uma opção de compra, ou, melhor ainda, fez um hedging ao preço da habitação.
Este modelo pode ser aplicado a novas compras ou ao refinanciamento de imóveis já adquiridos. Num cenário de valorização contínua dos imóveis, tanto os bancos como os clientes beneficiam — e, surpreendentemente, os preços de mercado podem até estabilizar ou descer.
O grande problema do mercado imobiliário sempre foi a desvalorização dos ativos, levando ao colapso do sistema, como vimos com a crise do subprime. Mas também aprendemos aí uma lição importante: as flutuações de curto prazo não refletem necessariamente o comportamento de longo prazo. Olhando em retrospetiva, poderíamos até argumentar que a crise do subprime foi, em parte, uma disfunção evitável.
A nova tendência pode passar por alongar indefinidamente os prazos dos empréstimos. Os bancos poderiam exigir entradas mais elevadas ou uma amortização inicial mais acelerada, ganhando segurança. Posteriormente, aliviariam a amortização, confiando que a valorização do imóvel compensará o risco.
Neste cenário, os bancos assumem um papel híbrido: financiadores e, simultaneamente, arrendatários invisíveis, cobrando “renda” sob a forma de juros, enquanto o imóvel serve de garantia.
Este conceito não é totalmente novo. Países como o Canadá, os Estados Unidos e a Austrália já aplicam modelos como o lifetime mortgage e o reverse mortgage, pensados sobretudo para pessoas com mais de 60 ou 65 anos, que possuem a casa quase paga. Nestes casos, o banco empresta dinheiro com a casa como garantia e, consoante o modelo, o mutuário pode nem ter de pagar prestações mensais.
Imaginemos o caso do Sr. João, 65 anos, que pede um empréstimo de 200.000 euros dando como garantia uma casa de 500.000 euros já paga. Ao fim de 15 anos, com uma taxa de juro de 6%, a dívida será de cerca de 480.000 euros. Entretanto, a casa poderá ter valorizado, por exemplo, 200.000 euros. Quando o Sr. João falece, o banco liquida a dívida e entrega o valor remanescente — se houver — aos herdeiros.
A discussão principal nestes modelos gira precisamente em torno dos herdeiros, que por vezes se opõem a esta abordagem. Ainda assim, trata-se de uma solução eficaz para idosos que queiram manter-se nas suas casas, com liquidez suficiente para viver com conforto e dignidade.
Em suma, articular o direito à habitação com novos modelos financeiros pode ser transformador. A casa representa uma das maiores fatias do orçamento familiar, e os modelos macroeconómicos já reconhecem esse peso. Basta lembrar que é através da subida das taxas de juro — e consequente impacto nas prestações da casa — que se combate a inflação, retirando poder de compra às famílias.
O financiamento vitalício, perpétuo ou de muito longo prazo pode muito bem ser a peça que falta neste puzzle. Um instrumento poderoso, ainda discreto, mas que poderá permitir, um dia, retirar das famílias o peso asfixiante da habitação — seja ela comprada ou arrendada.
Artigo de opinião publicado na CNN. Veja aqui
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