Entrámos num barulhento mundo de silêncio. As pessoas continuam a ouvir, mas deixaram de escutar

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Tive um chefe há alguns anos que não raramente, nas reuniões executivas em que participávamos nos dizia: “Estás a ouvir, mas não estás a escutar”.

Demorei bastante tempo a perceber o que queria dizer com aquilo, e talvez os meus colegas pensassem o mesmo, mas quando um CEO diz algo do género, todos prestam atenção mesmo que não percebam muito bem o que isso quer dizer.

Efetivamente, o ato de ouvir é um ato físico e passivo, ou seja, não depende de uma decisão ouvir. Ouvimos e pronto.

Eu não escolho se quero ouvir um relâmpago lá fora ou uma música que toca numa loja, ou alguém que fala aos berros na mesa ao lado, mas posso decidir se vou escutar ou não.

Escutar é um ato voluntário porque envolve o prestar de atenção ao som que estou a ouvir. Pode esse som ser uma música, uma conversa ou o que quer que seja. Eu não posso decidir se quero ou não ouvir, mas posso decidir se quero ou não escutar.

Nas nossas reuniões era exatamente isso que acontecia sobretudo quando os temas ficavam mais quentes. Nós não escutávamos…simplesmente ouvíamos e tínhamos a nossa resposta ou observações pré-definidas com o que iríamos argumentar independentemente daquilo que ouvíssemos. Na realidade muitas vezes não estávamos a escutar o que o outro dizia e, portanto, fosse que situação fosse, nós focávamo-nos na nossa resposta e não no que havia sido dito.

Com o passar do tempo aprendemos o que aquela frase queria dizer, e melhorámos em muito a nossa eficiência e a forma como aproveitávamos as reuniões mesmo que não estivéssemos muito conscientes disso. Aquela frase era matadora!

Não sei se faz parte da evolução do ser humano, mas esta atitude de ouvir sem escutar está cada vez mais presente na interação entre as pessoas.

Por vezes as conversas não têm que ter uma conclusão!

É errado pensar que as conversas têm que ter uma conclusão. Se pensarmos bem, se calhar nem devem. As conversas fazem parte de um processo de apreensão de dados (quando estamos efetivamente a escutar) às quais acrescentamos depois o que gostamos de chamar de raciocínio para depois então, fruto de muitas conversas e dos respetivos contraditórios, processarmos uma solução dentro do nosso cérebro.

Nas conversas de hoje parece que está sempre uma parte a tentar convencer a outra de algo e que, no fim de cada conversa tem que haver um ganhador…Não, não tem!

Numa conversa em que ambas as partes escutam ambas as partes ganham sempre ainda que não se chegue a conclusão nenhuma no momento. A conclusão pode vir 100 conversas depois ou pode até nunca vir.

Não digo que não tenhamos que ter as nossas convicções, mas não temos que convencer ninguém delas. Temos sim que partilhar um ponto de vista com os nossos argumentos e os argumentos, desde que não sejam falsos, estão sempre corretos. Não temos que mudar de ideias porque falámos com alguém, mas também não devemos falar com alguém como se a nossa perspetiva fosse a única.

O clubismo tem se apoderado dos nossos argumentos e estamos cada vez mais a tornarmo-nos mensageiros de uma qualquer outra entidade. Basta pensar no que acontece no futebol: Mesmo após centenas de imagens de diferentes perspetivas e com super slow motion, tendemos achar que a nossa equipa tem sempre razão. É que neste caso estamos a olhar, mas não estamos a ver. O clubismo cega-nos!

Não temos que pertencer a nenhum clube de futebol, ou político ou de outra qualquer entidade social. Podemos simplesmente ser humanos, defender ideias da esquerda e da direita, ou de cima e de baixo. Podemos ser verdadeiramente livres e falar de imigrantes sem ser extremistas, ou de subsídios sem ser esquerdistas ou de incentivos às empresas sem sermos direitistas.

Porque as pessoas não escutam, têm primeiro que saber a que clube pertencemos antes de dar razão ou de a tirar, e fazem isso independentemente do que possam estar a ouvir.

Temos que reaprender a escutar como temos que reaprender a observar porque só assim a sociedade pode efetivamente evoluir sem que ninguém se apodere do dom da razão. É que atualmente ninguém tem razão e todos têm razão ao mesmo tempo dependendo do clube onde seja colocado.

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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