Ganhar bem já não basta: por que o salário, sozinho, não torna ninguém rico em Portugal

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Os impostos altos, o custo de vida nas grandes cidades e o efeito silencioso da inflação tornam quase impossível a criação de riqueza apenas com rendimentos do trabalho. E a solução não está em ganhar mais, mas sim em investir melhor

Todos queremos salários mais altos. Mas, em Portugal, mesmo um bom salário já não chega para criar um rico. O sistema fiscal, o custo de vida nas grandes cidades e a inflação reduzem o poder de compra e limitam o que é possível poupar – quanto mais enriquecer.

O modelo económico português foi desenhado de forma que a progressividade dos impostos praticamente anula o ganho marginal dos salários elevados. Com uma taxa máxima de IRS de 48%, somada a contribuições obrigatórias, torna-se difícil imaginar um valor de salário que, por si só, garanta independência financeira.

Segundo o Doutor Finanças – simulador de salário líquido, o salário médio líquido em Portugal é de 1.142 euros — o que equivale a um salário bruto de cerca de 970 euros. Mas quem ganha o triplo desse valor bruto (2.910 euros) levará para casa pouco mais do dobro. Quem ganha cinco vezes mais (4.850 euros) recebe “apenas” cerca de 3.100 euros líquidos. A diferença entre “muito” e “bastante” é esmagada pelo sistema fiscal.

Ser rico em Portugal não depende apenas do salário — depende do agregado familiar, da localização e do tipo de vida que se leva. Um ordenado de 3.100 euros líquidos em Lisboa dificilmente permite grande folga financeira a quem paga 1.500 euros de renda. Permite conforto, mas pode não permitir riqueza. Se a alternativa for comprar casa, o esforço não é menor.

Segundo o Global Wealth Report 2023, existiam na altura 172.000 milionários em Portugal. Mas este número inclui sobretudo quem possui imóveis de alto valor — não necessariamente quem tem liquidez ou vive com folga. Sabemos que o valor dos imóveis subiu imenso nos últimos 10 anos e isso pode deturpar o conceito de riqueza. Ter uma casa de 500.000 euros em Lisboa não faz de alguém rico, sobretudo se for a única que tem… e onde vive.

Mesmo quem ganha 5.000 euros brutos por mês e consegue líquidos uns impactantes 3.000 euros mensais está longe de garantir riqueza automática. Se desses conseguir poupar 30% por 20 anos consecutivos, essa poupança geraria 280.000 euros — mas ajustada a uma inflação média de 2%, esse montante vale, em euros de hoje, cerca de 188.000 euros. É um valor importante, mas está longe de garantir independência financeira a longo prazo e muito menos de fazer um rico. Podemos fazer a mesma analogia com o dobro do salário e chegamos a valores que permitem ter uma boa qualidade de vida, sem dúvida, mas longe de construir “ricos”.

E há um fator raramente falado: a inflação pessoal. Quem ganha mais consome de forma muito diferente e por isso que existem produtos de “marca branca” e de marca. Quem ganha mais tende a escolher marcas, produtos e serviços com outro preço. Vive outro tipo de inflação — muitas vezes acima dos tais 2% médios.

Quem ganha mais tem sempre a opção de gastar menos – coisa que quem ganha menos por vezes não tem – mas tende a gastar mais. Serviços privados de saúde, escolas privadas, casas melhores, e muitas outras decisões que colocam os mais ganhadores num nível de vida melhor, mas também mais expostos à inflação e à menor poupança.

A falsa narrativa da riqueza salarial

A ideia de que salários altos tornam alguém automaticamente rico é uma ilusão perigosa — e frequentemente usada no debate político para justificar medidas fiscais. Mas não resiste a uma análise concreta. Em Portugal, ninguém se torna rico apenas com o salário, por mais elevado que este seja. É rico aos olhos dos outros, mas não é rico aos olhos de um critério rigoroso de riqueza.

Riqueza implica, de certa forma, ter mais do que aquilo de que se precisa, ou, como diz o dicionário, “ter coisas de valor em abundância”, mas a pirâmide de necessidades de Maslow não perdoa. As necessidades de cada um acabam por definir os gastos de cada um e o seu afastamento da riqueza mas a sua aproximação da satisfação pessoal.

A única via realista para criar riqueza é mesmo investir. E quanto mais cedo se começar, melhor.

Não basta trabalhar muito — é preciso investir bem

Imobiliário, ações, obrigações, ouro, fundos, arte, criptomoedas… as ferramentas estão aí. O que falta, muitas vezes, é conhecimento, hábito e educação financeira.

Sem decisões de investimento complementares, mesmo os salários mais elevados não chegam para garantir riqueza real e duradoura. O discurso dos ricos versus pobres é falacioso, e torna os muito pobres mais pobres apesar dos raros ricos. São necessárias políticas de enriquecimento individual que levem ao enriquecimento coletivo e políticas que efetivamente deixem de colocar uns contra os outros e que nos coloquem mais num conceito de uns pelos outros mas, até lá, se quer efetivamente poder sonhar em ser rico -seja lá o que isso for- o melhor é mesmo apostar na literacia financeira e começar a investir já, o pouco que conseguir.

Artigo de opinião publicado na CNN Portugal. Veja aqui

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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