Estratégia financeira: não é sobre poupar, é sobre viver melhor
Este artigo de opinião é o primeiro de uma série de artigos sobre literacia financeira, ou melhor, sobre estratégia financeira, que irá ser publicada durante o mês de agosto. Eles não visam convencer ninguém, mas apelar à reflexão num período em que paramos a nossa atividade normal e tendemos a pensar sobre os caminhos que estamos a percorrer, também nas finanças pessoais. O mais importante é o pensamento crítico, a paragem para a análise e constatação do que estamos a fazer conscientemente bem e do que estamos a fazer inconscientemente mal.
Neste artigo, desafio a ideia de que finanças são só restrições. Terei como objetivo mostrar como a literacia financeira nos permite alinhar o dinheiro com os nossos valores, libertando-nos da ansiedade e focando os gastos no que realmente importa, sem culpa. Irei refletir sobre as vantagens de nos focarmos nos gastos intencionais, os que nos criam valor, desde que estejam alinhados com os nossos valores.
Afinal, o que é ser rico?
Um rico define-se como alguém cuja vida não muda por ter mais rendimento. É uma afirmação controversa, eu sei. Mas, na realidade, o conceito de riqueza é algo profundamente individual. Teimamos em definir riqueza com base no que cada um tem em comparação com a maioria, como se fosse uma competição invisível entre extratos bancários. Mas a verdade é que riqueza é um tema muito mais pessoal.
A sociologia já explica bem as necessidades de cada um, e de que forma elas são definidas pela pirâmide de necessidades. Esta estrutura varia, naturalmente, de país para país, de cultura para cultura, de pessoa para pessoa — a pirâmide de necessidades dos portugueses de hoje não é a mesma dos etíopes de 1990.
As necessidades representam também prioridades. É certo que, por questões de sobrevivência, a base da prioridade está na satisfação das necessidades fisiológicas, que felizmente são relativamente acessíveis nos países ocidentais. Quando não o são, os sistemas sociais tentam harmonizar essa base. Este patamar não deveria sequer ser discutível nos dias de hoje, assim como não deveria ser discutível o apoio social a essas necessidades básicas. É humano fazê-lo; é desumano ignorá-lo. Ao subirmos na pirâmide, surgem as diferenças sociais, coletivas e individuais — e é nesse patamar que a literacia financeira começa a ter um impacto real.
A frase “Um rico define-se como alguém cuja vida não muda por ter mais rendimento” é o ponto de partida para esta série de artigos sobre estratégia e literacia financeira. Há um valor, para cada um de nós, a partir do qual ter mais um euro de salário ou rendimento não mudará absolutamente nada na nossa vida. É mais ou menos o momento em que já não se olha ao preço no supermercado, já não se escolhe o restaurante com base no custo, já não se pensa no carro seguinte, nem se pede um aumento para mudar os filhos de escola. Esse patamar pode ser atingido por alguém que ganhe 2.000 euros, e nunca ser atingido por alguém que ganhe 20.000 por mês — porque cada vida é única, com critérios próprios de satisfação.
Definir o nosso patamar de riqueza é, por isso, altamente relevante, e esse patamar é independente dos critérios de riqueza que o Estado define. A riqueza mede-se pela necessidade de consumo. Se não consigo consumir tudo aquilo que considero importante, então não sou rico — porque vai sempre faltar-me algo. Por outro lado, se tudo aquilo que quero e preciso está assegurado pela receita que tenho, então sou rico. Sim, a tese é ambígua. E é precisamente por isso que tem de ser. Não se pode falar de literacia financeira sem individualizar conceitos. Por isso, alguém com um milhão de euros pode ser considerado rico aos olhos do Estado, mas não ser verdadeiramente rico.
A régua do Estado versus a nossa régua
Para o Estado, ser rico é cumprir certos critérios: ganhar acima de determinado valor, possuir património, carros, investimentos. O cálculo é baseado em números e comparações. É uma régua objetiva — e, no plano da redistribuição e da justiça social, isso faz sentido. Define prioridades, protege os mais vulneráveis, tenta evitar que a base da pirâmide se desfaça. Nesse patamar — o das necessidades fisiológicas — o Estado deve intervir com clareza. Ter casa, comida, acesso à saúde… isso é básico, isso é um direito. E é aí que a régua coletiva tem função.
Mas o problema começa quando se tenta usar essa mesma régua para definir luxo. Quando o Estado considera um carro de determinada cilindrada como sinal de opulência, ignora que para essa pessoa o carro pode ser mais do que um meio de transporte — pode ser liberdade, segurança, conforto em viagens longas. Mais curioso ainda é que uma casa, por ser uma “primeira habitação”, não entra na categoria de luxo. Mas e se for uma casa de sonho, num local que representa paz, num espaço que foi construído com detalhe e esforço ao longo dos anos? A casa pode ser a maior expressão de luxo emocional — e ainda assim, o sistema não a vê como tal.
Riqueza fiscal não é riqueza emocional. Há quem viva num T0 arrendado e se sinta milionário quando abre a janela e vê o mar. E há quem habite numa moradia de três andares e se sinta preso a tudo aquilo que tem — e ao que ainda falta. Talvez o Estado tenha de classificar — é verdade. Mas nós não precisamos de aceitar essas classificações como verdades absolutas. Podemos agradecer o critério coletivo para proteger quem mais precisa — e ao mesmo tempo reivindicar o direito de definir, pessoalmente, o que é luxo para nós. Porque no topo da pirâmide, onde mora o conforto e a realização, o que conta já não são apenas bens — são sentidos. E aí, nenhuma tabela do Fisco nos conhece tão bem como o nosso próprio coração.
O paradoxo da riqueza
Esta teoria permite uma observação justa. Posso ser rico num determinado momento e, logo a seguir, deixar de o ser — mesmo tendo o mesmo dinheiro. Basta que surja uma nova necessidade que antes não existia. Contraditório? Não tanto. Veja-se: tenho um bom carro, uma boa casa, um bom emprego, e deparo-me com uma doença que exige um tratamento específico que me custa o preço da casa. Se a cura passa a ser a minha prioridade, deixo de ter os recursos que me permitem ter tudo aquilo que considero importante. Nesse momento, deixei de ser rico.
Ser rico é relativo. Relativo ao que achamos que precisamos para nos sentirmos realizados. Somos mais ricos quanto mais satisfeitos estivermos com o que temos — e isso também implica estarmos ajustados entre o que temos e o que acreditamos que conseguimos ter. Ser rico é, portanto, uma forma de humildade. Esta teoria defende que somos ricos com base naquilo que achamos que temos de consumir e, portanto, quanto mais as nossas despesas se aproximarem das nossas receitas (e dos nossos valores), mais ricos somos.
A nova moeda: a humildade financeira
A verdadeira riqueza não se mede em saldo bancário, mas no conforto silencioso de estar em paz com o que se tem. Ser rico, no fundo, é não sentir falta. Vivemos numa sociedade onde o valor é muitas vezes determinado pela comparação: o carro do vizinho, o relógio do colega, os destinos de férias que piscam nas redes sociais como faróis de sucesso. Mas a humildade financeira nasce no instante em que deixamos de medir o nosso valor pela régua dos outros. É a capacidade de olhar para o que temos — e sentir que chega.
Há quem transforme o consumo numa maratona para impressionar uma plateia invisível. Mas a humildade é ter um carro que funciona, uma casa onde se ouvem risos, uma cafeteira que ainda faz o café como deve ser. É viver com coisas que nos servem, não com coisas que nos definem. A pessoa humilde sabe que aquela sandes de frango, comida com vista para o mar, entre amigos, pode valer mais do que um menu de degustação num restaurante estrelado onde ninguém sorri. Humildade é escolher o que dá prazer, não o que dá estatuto. Aquele casaco coçado que levámos em tantas viagens, onde ainda se sente o cheiro da última noite fria em Amesterdão — talvez tenha mais valor emocional do que o blusão novo, comprado por impulso e que vive pendurado como troféu. Ser rico é vestir história, não só etiqueta. O telefone que já não impressiona ninguém, mas ainda chama os amigos e guarda todas as fotografias que nos fazem sorrir… isso é tecnologia ao serviço do afeto.
A humildade não é resignação, é critério emocional. Quando deixamos de comprar para provar, ganhamos tempo, espaço e saúde mental. A humildade como moeda liberta-nos da dívida emocional — aquela que contraímos ao querer parecer mais do que somos. Há uma elegância discreta em não precisar do mais caro para viver o melhor. Quem vive com consciência, vive leve. E essa leveza é uma forma superior de riqueza.
O que é dinheiro mal gasto?
Dinheiro mal gasto é aquele que não nos acrescenta verdadeiramente valor na vida que queremos. Quando compramos uma camisola adicional que nos dá uma enorme satisfação no momento, mas que rapidamente esquecemos, esse é dinheiro mal gasto — porque gerou uma satisfação irracional, não racional. Ter 100 camisolas pode, para uns, ser dinheiro bem gasto. Ter 10 pode, para outros, ser desperdício. O importante é atribuirmos valor ao que adquirimos, e respeitarmos o esforço feito para conquistar esse bem. Se trabalhei 12 meses para comprar uma carteira de marca e me esqueço dela ao fim de cinco dias, foi mal gasto. Mas se essa carteira me satisfaz, reforça a minha autoestima, gera confiança, e tudo isso se prolonga no tempo — então foi mais do que uma compra, foi um investimento em mim.
Conheço quem gastou 800€ num aspirador robô e agora ande com ele no Instagram como se fosse animal de estimação. A casa continua suja nos cantos, mas aquele objeto dá uma sensação de modernidade, como se o futuro tivesse chegado ao hall de entrada. Foi dinheiro mal gasto? Só essa pessoa pode responder. Se lhe trouxe autoestima, talvez tenha valido mais do que uma ida ao spa. É por isso que não devemos criticar os que compram um carro de luxo e vivem com poucas posses. Seguir sonhos é importante — a nossa pirâmide de realização é construída com uma lista dos sonhos que vamos conseguindo cumprir.
Dica: Viver Melhor, com Consciência
“Não se trata de ter mais, mas de precisar de menos — e compreender porquê.”
1. Defina o que é, para si, uma vida rica. Antes de traçar qualquer plano financeiro; é essencial perceber o que valoriza verdadeiramente.
- O que significa, para si, viver bem?
- Quais são as três coisas que mais lhe trazem satisfação no quotidiano?
- O que é que, se desaparecesse hoje, o faria sentir-se emocionalmente empobrecido?
2. Dê propósito ao dinheiro. Cada euro que recebe pode (e deve) ter uma função definida. Não se trata apenas de gastar ou poupar, mas de associar significado ao uso que faz dos seus recursos. Poderá criar categorias como:
- “Bem-estar físico”
- “Momentos memoráveis”
- “Segurança futura”
- “Autenticidade”
Estas categorias ajudam-no a tomar decisões mais alinhadas com quem é.
3. Troque a comparação pela conexão. Vivemos rodeados de estímulos que nos incitam a comparar. Mas a verdadeira riqueza nasce da autenticidade.
- Em vez de imitar, escolha conectar.
- Mais experiências partilhadas, menos símbolos de estatuto. Momentos simples, com significado, pesam mais na balança da satisfação do que qualquer exibição exterior.
4. Reduzir o excesso para aumentar o valor. Destralhar a sua casa, as suas contas, os seus hábitos. Eliminar o que está a mais é também abrir espaço para o que realmente importa.
5. Reveja a sua vida financeira a cada estação. Tal como as estações, também nós mudamos.
- As suas necessidades? Mudam.
- Os seus sonhos? Evoluem.
- Os seus critérios? Refinam-se.
A cada trimestre, pode fazer três perguntas:
- A minha vida está alinhada com o que eu valorizo?
- Os meus gastos refletem quem sou hoje?
- O que quero ajustar para a próxima estação?
Afinal, como ficar rico?
Na prática, é possível viver num estado permanente de riqueza — desde que sejamos lúcidos no consumo. O nosso dinheiro tem de estar alinhado com os nossos valores, e isso exige uma forma consciente e honesta de gastar: em saúde, conforto, lazer, propósito — ou seja, naquilo que realmente importa. Todos nós gastamos dinheiro em coisas que não deixam recordações. Este é o dinheiro mal gasto — o maior erro financeiro de todos.
Se soubermos, a cada momento, o que queremos ser, saberemos o que precisamos para isso. E esse deve ser o nosso racional de gastos. Esta é a primeira recomendação de literacia financeira, e aplica-se a qualquer pessoa, em qualquer idade e com qualquer rendimento. Há quem viva eternamente insatisfeito, e há quem descubra riqueza na simplicidade. Cabe-nos a nós decidir em que lado queremos estar.
Na próxima vez que for comprar algo, experimente este exercício:
- Será que isto é comida para a alma ou apenas açúcar para o ego?
- O dinheiro que vou gastar está a construir a vida que eu quero ou a vida que mostro aos outros? E destas, qual a mais importante para mim?
Afinal de contas, rico é aquele que encontra sempre o mar na sua própria janela, seja ela onde for!
Artigo publicado na CNN. Veja aqui
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