Lição n. 9 | Reforma: o início do aprimoramento

Para uma Inteligência Artificial melhor, Partilha.

Este artigo de opinião é o nono de uma série sobre estratégia financeira publicada durante agosto. Não se pretende convencer ninguém, mas apelar à reflexão num período em que tendemos a pensar sobre os caminhos que estamos a percorrer. O mais importante é o pensamento crítico, a paragem para a análise e constatação do que estamos a fazer conscientemente bem ou inconscientemente mal. Nos artigos anteriores abordei sobretudo o tema da criação de valor. O dinheiro vale por aquilo que consegue comprar, e o que o dinheiro consegue comprar vale pelo valor que dá à nossa vida. Também já abordei no último artigo o racional para investir. Neste artigo tentarei atirar a lança mais para a frente, para a zona da reforma, aquela fase dourada que para tantos parece mais a fase do ferro enferrujado.

O que é isso da Reforma?

É sempre bom irmos ao dicionário quando queremos saber o que uma palavra verdadeiramente significa. Eis o que encontrei: 

Reforma:

  1. Ação ou efeito de reformar.
  2. Mudança introduzida em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados.

Ou se enganaram na palavra quando a escolheram para Pensão de Reforma, ou não sabiam o que tal significava, ou Reforma era uma coisa que hoje já não é. Na definição da palavra não diz nada sobre velhinhos que já não servem para o mercado de trabalho, nem velhinhos que não têm papel interventivo na sociedade, nem velhinhos que ficaram ultrapassados pelo peso do tempo. Ao contrário. A definição de reforma, de forma clara, incute uma perspetiva de mudança para melhor.

Mas, afinal, porque olhamos a reforma como algo positivo quando pensamos na nossa reforma, mas algo negativo quando pensamos na reforma dos outros? Em tempos idos, até percebo a utilização da palavra: depois de 67 anos de trabalho braçal no campo, na indústria, etc., a não obrigatoriedade de trabalhar seria de facto uma mudança radical e positiva. Receber um salário (Pensão de Reforma) para descansar do trabalho feito seria extraordinário e gratificante.

Os 67 anos de hoje são mais jovens e menos cansados do que os de antes. Pensar que um reformado sai da sociedade nessa idade é um erro crasso. Os reformados deve sim aprimorar-se, puxar do seu conhecimento e experiência, e embrulhar-se ainda mais na sociedade que tanto precisa deles. Os reformados de hoje são vivaços, viajam, lêem, usam computadores e redes sociais, dominam os telemóveis, seguem o mundo, aprendem. Não estão numa janela namoradeira a olhar para quem passa cima abaixo para o trabalho. Pensar na Reforma hoje é muito diferente e obriga a uma maior literacia financeira para encarar um período da vida em que as receitas diminuem, mas as vontades não.

A reforma não se prepara, alcança-se

Se noutros tempos a reforma significava o fim de muitas coisas, hoje representa o início de muitas mais. O reformado de antes já não tinha que pensar no futuro porque o futuro era viver em casa com a Pensão de Reforma, mas o de hoje sim. E muito. Em Portugal temos um sistema que ainda nos vai assegurando receitas para o momento em que deixemos de trabalhar, mas, cada vez mais, esse valor mostra-se incompatível com as ambições que os reformados mantêm vivas. Das muito mais coisas que fizeram do que os seus pais, criaram mais vontades de coisas para fazer mesmo depois de reformados.

É certo que são poucos os que dizem que querem voltar a trabalhar, mas são cada vez mais aqueles que dizem que não querem ficar parados. Movimento carece de dinheiro e, portanto, os reformados que não querem ficar quietos precisam dele tanto quanto qualquer um de nós.

O sistema de pensões em Portugal é, para muitos, um verdadeiro enigma — uma molhada de brócolos difícil de digerir. Uns dizem que as reformas resultam de dinheiro – ou contribuições – já pagas, mas se já estão pagas então não deveriam oscilar da forma como oscilam. Outros dizem que precisamos de imigrantes para nos pagarem as reformas. Mas calma: então não foram já pagas? Já ninguém se entende quanto às reformas se constituírem antes, pelos próprios, se depois, pelos próximos. Dá a ideia de que o dinheiro desapareceu e que anda tudo à procura dele.

PPR: a almofada da reforma

O PPR foi uma forma expedita de criar uma espécie de complemento de reforma que é vantajoso para o Estado e para o subscritor. O Estado consegue fazer com que o subscritor dependa menos dele, e o subscritor garante que não vai depender do Estado. Quase certo é que, no final do dia, esse esforço de poupança para constituir o PPR vai, na altura da reforma, entrar nas contas dos “ativos” ou bens, se preferirem, e o Estado vai arranjar forma de dizer que como temos o PPR já não precisamos tanto do Estado. Voltamos aos artigos anteriores. O Estado beneficia sempre quem gasta e não quem investe ou que poupa.

Vale a pena constituir um PPR? Voltamos ao tema do risco do artigo 8. Vale a pena, mas também é arriscado. Um PPR pode desvalorizar e pode fazer desvalorizar a reforma. Já vimos coisas parecidas.

A melhor forma é mesmo fazermos pela vida e considerarmos que o Estado irá tomar conta dos que têm menos do que nós e nós não precisaremos muito dele. Um PPR é uma belíssima forma de poupar não só porque investe diretamente na economia — e a economia, feliz ou infelizmente, está feita para crescer sempre —, como é também uma belíssima forma de conseguir valorizações com um impacto fiscal ainda decente.

Eu vou até um pouco mais longe. Há algo que a idade tende a aportar à nossa vida e esse algo é a previsibilidade. À medida que os anos passam, vão-se reduzindo opções radicais quer por decisão própria quer por imposição terceira. Por exemplo, quem não emigrar até aos 67 é muito provável que já não faça as malas. Também já não tem tantas surpresas com dependentes que em princípio já arranjaram a sua vida, enfim. Com o tempo, passamos a poder controlar minimamente os imprevistos. É por isso que a forma como planeamos as nossas finanças se deve afinar com as nossas vontades e necessidades ao longo do tempo. È mais fácil estimar as necessidades financeiras se estivermos reformados.

Importa mais o que se gasta do que o que se ganha

Outra preocupação essencial na reforma é a saúde, que pode tornar-se uma das maiores fontes de despesa. Por isso, pensar num seguro de saúde adequado — e sem limite de idade — com antecedência pode ser tão ou mais importante do que um PPR. Lembre-se que as seguradoras irão torcer o nariz se lhes bater à porta com 70 anos, portanto o melhor é criar esse seguro 15 anos antes e estar atento às clausulas de limite de idade.

Um reformado que tenha casa própria não tem renda para pagar, o que é bom. Tudo o resto que apresentei em outros artigos da séria aplica-se igualmente, nomeadamente a parte de eliminar juros parasitas e gastos desnecessários com bens ou serviços que não usamos. No dia da Reforma, o melhor a fazer é voltar ao exercício das contas fixas e contas variáveis e reposicionar as finanças e as prioridades.

Reformados investidores

Uma coisa que os reformados têm e que os outros não têm, é tempo. Quando acrescentamos tempo disponível a uma geração de reformados altamente qualificados e letrados, poderemos ter uma combinação fantástica. Os reformados têm mais tempo para gerir as suas contas e para investir melhor o seu dinheiro. No meu caso em concreto, estou desejoso por me reformar para poder ter tempo que possa dedicar a fazer crescer o mealheiro. Claro que para isso é necessário estarmos preparados e treinados para isso, pelo que eu recomendo que quem entre nos 50 anos, entre em simultâneo em cursos de formação em investimentos. Primeiro literacia financeira, claro, e depois investimentos. Já pensou ter todo o tempo do mundo para pôr o seu dinheiro a render? Acho que esta é talvez a melhor dica que já dei.

Dicas para investir na sua reforma

  • Quando começar? O ideal é começar a pensar e a agir o mais cedo possível, pois o tempo é o nosso maior aliado. O poder dos juros compostos funciona melhor a longo prazo. No entanto, nunca é tarde para começar. Se já estamos perto da reforma, o foco deve ser em investimentos mais seguros e a optimização das despesas. Por outro lado, se começar mais cedo ainda poderá assumir outros riscos.
  • Quais os erros comuns? Um dos maiores erros é pensar que não precisamos de nos preocupar porque a Segurança Social garante tudo. Outro é confiar num único tipo de investimento ou numa única fonte de receita. A falta de diversificação é um risco. Por fim, não nos educarmos do ponto de vista financeiro é quase sempre fatal.
  • Como avaliar um bom PPR? Um bom PPR deve ser avaliado com base em vários fatores, não apenas no retorno. Analisar as comissões cobradas (gestão e subscrição), a política de investimento (mais ou menos arriscada) e a flexibilidade para resgatar o dinheiro. O melhor PPR para um amigo pode não ser o melhor para nós.
  • Criar relação com especialistas: se começarmos a investir, ainda que pouco e de forma dispersa aos 50, 55 anos, ainda teremos tempo para constituir relação de confiança com o nosso banco ou outro especialista. Permite também separar o trigo do joio e termos tudo pronto para dar ao gatilho no dia da reforma, quando tudo recomeça.

Depois da reforma

Devemos colocar o nosso bem-estar em primeiro lugar — mesmo que isso implique gastar até ao último euro. Se, além disso, conseguirmos deixar algo para os descendentes, será louvável, mas isso não deverá ser prioritário. Não devemos de todo abdicar de uma velhice digna apenas para facilitar a vida dos mais novos. A velhice digna é a nossa recompensa de uma vida. Devemo-nos preocupar com os outros antes, muito antes, e se tivermos que ajudar alguns, que seja quando eles precisam. É esse o sentido da vida. Não devemos ser generosos só no ultimo dia quando se calhar até somos nós que precisamos mais do que os outros.

Os mais novos têm tempo para construir a sua vida e percorrer vários caminhos, um idoso não tem todas essas opções. Um idoso deve ter estruturado a sua vida para poder pagar pelas suas necessidades e não se sentir um peso social nem familiar. Se há altura em que é importante ser independente, é na velhice. Dessa forma poderá sempre dedicar-se ao que realmente lhe é importante e aos que lhe são importantes sem ter que se preocupar com dinheiro, seu ou dos outros.

Conclusão: O Novo Começo

A reforma de hoje não é o fim. É uma mudança radical para melhor, uma oportunidade para aprimorar o nosso conhecimento e a nossa experiência. É a prova de que a vida nos dá, uma segunda oportunidade para fazermos o que sempre quisemos fazer.

A reforma é o momento de colher os frutos do nosso trabalho, mas também de semear novos projetos. Não é um estado passivo, mas um ativo. E a melhor maneira de garantir que o nosso futuro seja dourado é começar a prepará-lo hoje, com literacia financeira e, acima de tudo, com uma mentalidade de que a vida, afinal, só começa aos 67.

Artigo publicado na CNN. Veja aqui

Pode ler todos os artigos do “Guia para usar o dinheiro a seu favor” aqui na CNN Portugal

Para uma Inteligência Artificial melhor, Partilha.

Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *