Continuamos a confundir dramaticamente tática com estratégia. Ainda que somássemos todas as propostas com que todos os partidos se apresentam a eleições, não teríamos nem uma página de um plano estratégico. Cada um mostra uma manta de retalhos e todos tentam enfiar um losango dentro de um círculo!
Não se resolve o problema da habitação num país cuja população residente aumentou 15% em 7 anos ignorando este facto populacional. Seria até mau sinal se tivéssemos casas disponíveis à espera dos 1.300.000 residentes que chegaram a Portugal nos últimos 7 anos. Se um bar acostumado a ter 10 clientes passar a ter 1000, também não vai ter cerveja para todos. Mal gestão seria se tivesse os barris a apodrecer no armazém!
Ou seja, já tínhamos um problema de construção que resultou da crise de 2008 e que se manteve em estado catatónico em índices de construção que são hoje de cerca de um quinto quando comparados com os tempos áureos. A construção já não acompanhava a procura após a crise de 2008, agora imagine-se colocar em cima deste problema, mais 1.300.000 pessoas. Claro que, mesmo sem nenhum outro factor, os preços teriam que subir fosse nas rendas fosse na aquisição.
Há que perceber o problema para se desenhar uma solução e sim, existe uma relação directa entre turismo, novos residentes e os preços da habitação.
Da mesma forma não se resolve o problema dos hospitais quando temos um vazio quase completo de infraestruturas e de políticas de apoio aos idosos que, portanto, acabam nos hospitais por falta de alternativa. Os hospitais nunca foram uma fartura em Portugal e a cada ano que passa temos que lidar com uma população mais envelhecida, e com mais 1% de população nova, já para não adicionar o turismo que naturalmente também coloca a sua pressão nomeadamente em algumas zonas.
Não se trata de apontar direcções para uma política ou para outra. São factos fáceis de constatar e que podem até nem ter culpados de lado nenhum. O importante é encontrar soluções.
Os idosos já não entram para as contas das eleições e portanto são ignorados!
A Organização Mundial de Saúde cataloga um idoso como um indivíduo com 65 anos (nem vou comentar) mas não a esses que me refiro porque hoje em dia 65 anos saudáveis são de facto os antigos 40. A mim preocupam-me os idosos que vivem sozinhos, sem qualquer condição de autonomia e que acabam a ocupar camas dos hospitais indefinidamente sem que ninguém se preocupe verdadeiramente noutras soluções para eles.
O próprio estado pressiona as famílias de tal forma que decidem chamar a si esse cuidado, dando tão parco apoio, que os familiares se vêm cada vez mais forçados a ir buscar soluções muitas vezes tão pouco dignas, mas as possíveis, para cuidar dos seus entes mais velhos.
As casas estão a ficar caras e, portanto, mais pequenas, e são cada vez menos os que têm sequer capacidade para acomodar pais ou avós na sua estrutura familiar, ainda que o queiram. Pior ainda é a responsabilidade a que ficam sujeitos quando o fazem, sem que haja qualquer reciprocidade do próprio estado em cooperar no cuidado a idosos, chegando ao ponto inclusive de condicionar uma eventual posterior entrada desses idosos nas redes de cuidados estatais.
O estado, obrigado pela constituição, tem que cuidar dos idosos tanto quanto os próprios familiares. Se não por coração, que seja por dever, mas este deve ser um dever do estado. Acontece que o estado nem sequer “a meias“ quer encontrar uma solução que promova uma maior articulação e cooperação com as famílias. A resposta do estado são praticamente seis meses de cuidados continuados e os lares da misericórdia.
Se sabemos que os idosos têm, no geral, pensões baixas, porque não permitir o englobamento dos rendimentos dos idosos no IRS dos familiares quem os acolhem? Em bom rigor até acontece o contrário hoje em dia. O estado vai ver os rendimentos desses familiares a fim de cortar apoios aos idosos. Tem isto qualquer sentido? Temos um estado tão mercenário que prefere ir buscar mais uns euros de IRS do que promover uma maior cooperação e mais longa harmonia familiar. Pior do que isso, o estado ao ajudar as famílias a cuidar dos seus idosos estaria também a libertar recursos hospitalares para outras causas mas, ainda assim, parece preferível gastar milhares de euros por dia por cada idoso que, desnecessáriamente ocupa uma cama do hospital, do que ajudar uma família com 500 euros por mês para que esta acomode os seus idosos no seu lar. Ainda mais ridículo é o facto de o estado poder, pela via do englobamento do IRS do idoso que o acolher, ter um idoso acolhido em família sem sequer pagar nada por isso. A baixa do escalão pela via do englobamento poderia ser suficiente para muitas famílias já conseguirem tomar conta dos seus idosos.
Ora então porquê tantas medidas para jovens com pernas, braços, cabeça e formação para, por outro lado, abandonar os idosos que já descontaram, já contribuíram, mas as pernas e os braços já não deixam mais?
Uma sociedade mede-se efetivamente pela forma como trata as crianças e os idosos. Até quando o Titanic afundou foi dada prioridade a crianças e idosos mas por cá, as crianças têm pouco, os idosos quase nada, e estamos a tentar canalizar todos os recursos para os jovens. É fundamental um equilíbrio, ou melhor, uma estratégia.
Sei que estou a ser um tanto nada injusto porque de facto temos algumas peças novas que estão a começar a encaixar. Um belo exemplo é a rede de cuidados paliativos ao domicílio que, sem dúvida, dá em certas regiões um grande alívio ao estado, mas não chega. Não chega porque este serviço pressupõe um domicílio para o idoso e ter um idoso em estado paliativo no domicílio é quase impossível para a maior parte das famílias. Um idoso que necessite de vigilância 24h por dia vai precisar de gastar pelo menos 2500 euros/mês. Quem é que tem reformas que permitam estes gastos num país onde o salário médio é abaixo disto?
Quem já tentou contratar cuidadores para um idoso sabe bem o problema que isto representa quer ao nível dos contratos leoninos, quer ao nível da logística. Depois há sempre o risco do(a) cuidador resolver mudar de paragens ou mesmo adoecer, ficando o idoso ao Deus dará, e a família com um problema para resolver que, na maior parte das vezes resolve com um lar por falta de opções. Por vezes não é só o valor em si que dificulta. O que dificulta para as famílias é ter um sistema que funcione e que lhes simplifique a vida para que eles possam apoiar os idosos sem que isso coloque em risco a sua própria estrutura familiar e condição laboral.
Porque é que o estado que tanto ataca os lares ilegais -e bem- não chama a si a criação de uma rede nacional de cuidadores, articulando hospitais, centros de saúde, e centro de emprego a fim de fornecer treino aos cuidadores dessa rede? O estado poderia preparar um contrato único para esses cuidadores, que se ajuste de forma justa os critérios de ambas as partes. O estado podia bem gerir esta “bolsa de cuidadores formados” numa base de dados que poderia estar ao cuidado dos centros de emprego.
Feito algo desta forma, o estado poderia inclusive ponderar as comparticipações (que aliás já dá a certos cuidadores) que atribuiria a cada idoso ou família, poupando fortunas e enorme disponibilidade aos hospitais e aos lares.
Não se trataria de privatizar, nem sequer de competir e os cuidadores não seriam funcionários do estado, mas seriam geridos pelo estado porque em bom rigor, uma linha de cuidadores acaba por ser uma linha pré-hospitalar. Tratar-se-ia de criar e gerir uma rede de cuidadores de confiança às quais os familiares dos idosos poderiam recorrer de uma forma fácil e ágil e, falhando um, seria muito fácil arranjar outro.
Quantas pessoas hoje em dia estão a entregar os seus entes mais queridos a pessoas de quem desconhecem o seu passado, a sua formação, a sua legalidade, o registo criminal, etc…etc…? Nem vou sequer ousar escrever sobre o que se passará por este Portugal fora a este nível.
Medidas sem estratégia, não passam de táticas avulso. Um país não se pode governar desta forma porque as áreas nunca são independentes. Tudo se sobrepõe e, por isso, mais do que medidas sensacionalistas, é necessário ter um plano integrado pensado.
É verdade que temos poucos hospitais, mas é verdade que muito do uso hospitalar pode ser eliminado por iniciativas paralelas integradas.
No final do dia, hospitais e habitação cruzam-se entre elas, como se cruzam com todos os outros sectores. Não se pode querer resolver o problema da habitação nem da saúde de forma esquizofrénica, nem pontual.
As soluções para um problema podem até depender da política, mas a identificação das causas não tem nada a ver com política. As causas são factuais e sem espinhas e, enquanto os políticos não chegarem a acordo quanto às causas, iremos ter esta permanente luta de táticas sem conseguir desenhar um plano estratégico.
O mais extraordinário é que no fim do dia todos os partidos querem o mesmo. Eu quero acreditar que não há um político em Portugal que queira os idosos lançados ao abandono e que não há um político que queira olhar da janela da assembleia e ver barracas por todo o lado. Para chegar a boas soluções não pode haver negacionismo nas causas, ainda que o possa haver na solução.
Esconder as causas é enganar os eleitores porque só explicando as razões dos problemas é que os eleitores podem, em bom julgamento, decidir o seu voto de forma livre.
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