Lição n. 5 | As Dívidas que te Mentem: Identificar os “Juros Parasitas” e destruí-los

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Este artigo de opinião é o quinto de uma série sobre estratégia financeira. Não se pretende convencer ninguém, mas apelar à reflexão num período em que tendemos a pensar sobre os caminhos que estamos a percorrer. O mais importante é o pensamento crítico, a paragem para a análise e constatação do que estamos a fazer conscientemente bem ou inconscientemente mal.

Os juros vistos do lado de quem empresta

As instituições financeiras são peremptórias e, quando de alguma forma nos “adiantam” dinheiro via empréstimo, podemos estar cientes de uma coisa: eles estão muito seguros de que vamos pagar o que pedimos, acrescidos dos juros que nos pedem. Mas como é que isto funciona?

Quando pedimos empréstimo para uma casa ou outro imóvel, e o banco aceita conceder esse mesmo empréstimo, ou o banco está muito confortável com o valor do imóvel que lhe serve de garantia do empréstimo, ou o banco está muito confortável com quem fia esse mesmo empréstimo. Isto quer dizer que o banco recolhe informações suficientes para saber quem vai e quem não vai pagar e escolhe naturalmente quem paga. O que no passado se transformou num pesadelo dos bancos, o chamado “subprime“, adveio precisamente do facto de os imóveis passarem a valer significativamente menos e os bancos não conseguirem recuperar os seus empréstimos com outras garantias que não o valor dos imóveis à data. Quem tiver um bom histórico no banco, um bom salário, etc, conseguirá de maneira mais ou menos fácil sair desta ligação entre o valor da casa e os termos do empréstimo porque o banco olhará também para a garantia que representa o seu próprio cliente.

Pedir empréstimo para uma casa é, de facto, o empréstimo mais barato que se consegue obter pelo que é aquele que efetivamente faz mais sentido pedir. Já escrevi neste artigo sobre a  ideia de que a casa própria pode ser um investimento que prende mais do que liberta  e de como podemos virar o crédito à habitação a nosso favor.

Já quando falamos no famoso empréstimo ao consumo, a garantia do banco é quase exclusivamente o histórico do requerente, porque o banco não tem qualquer interesse em tomar posse de um carro que esteja danificado ou um telemóvel que já não funcione. Isto quer também dizer que o banco confia nas condições de vida do proponente ao crédito o suficiente para estar seguro de que vai receber o seu dinheiro de volta. O que acontece é que, nestes casos, quem empresta pede um prémio que tende a ser alto…muito alto. Chamam-lhe juros!

Faz então sentido um empréstimo para um carro? Sim e não – e vou tentar explicar. Os veículos automóveis estão entre os bens que mais rapidamente desvalorizam desde o instante zero. Um estudo da Forbes Portugal mostra que os carros em média desvalorizam 50% nos primeiros 5 anos. Agora imagine um carro que custa 30.000 euros e que ao fim de 5 anos vale 15.000 euros. Uma vez que um empréstimo para compra de carro pode rondar os 10% de juros, significa que ao fim de 5 anos tem a seguinte situação: Pagou cerca de 39.000 euros pelo carro – 30.000 PVP + 9.000 de juros, e tem um ativo que vale 15.000 euros ao mesmo tempo que cresce a vontade de trocar de carro. O carro custou-lhe por mês 480 euros de valor não recuperável e, no fim, sobram-lhe os tais 15.000 que é o valor do carro já pago.

Já é difícil encontrar razão económica para muitos orçamentos comprarem carros de 30.000 euros, quanto mais comprar esse carro a prestações e acomodar os juros. Quem acabou por fazer um bom negócio foi quem comprou esse mesmo carro com 5 anos por 15.000 euros, que só terá vantagens:

  • a) Pagou apenas 15.000 euros por um carro que com 5 anos estará à partida em excelentes condições.
  • b) A desvalorização do carro a partir do quinto ano será uma pequena fração da desvalorização nos primeiros 5 anos. Ou seja, ao fim de mais 5 anos perderá 3.000 ou 4.000 euros dependendo, claro, dos quilómetros, do estado etc… ou seja, garante mais o valor se precisar de o vender.
  • c) Poderá não conseguir um empréstimo favorável devido ao facto do carro não ser novo, mas terá mais chances de o comprar a pronto do que se custasse 30.000.
  • d) Poupa bastante nos seguros e demais despesas com o carro por este já não ser novo. Um carro em estado razoável não acresce grandes manutenções ao fim de 5 anos a não ser que tenha uma enormidade de quilómetros.

É minha convicção, portanto, que quem não tiver 30.000 euros para comprar um carro novo a pronto, deverá optar por comprar esse mesmo carro com alguns anos e não deixar que o carro se transforme numa pressão ao orçamento familiar. Neste caso em concreto trata-se de uma poupança de 15.000 euros da desvalorização mais cerca de 4.500 euros em juros. São quase 20.000 euros de poupança a 5 anos por não andar com o carro acabado de sair do stand mas andar com um carro que já tem 5 anos mas que pode estar em bom estado. Se esta mesma pessoa que compre o carro usado poupar o dinheiro que pagaria ao banco e ao stand, ao fim de 5 anos tinha 20.000 euros na conta mais o valor do carro usado que venderia com 10 anos e que ainda renderia um valor razoável. Ou seja, comprava o carro de 30.000 sem dívida.

O segredo da vida “fácil” pode ser a paciência

Um carro é, claramente um bem fundamental, mas quando aplicamos o mesmo critério aos telemóveis e outros créditos ao consumo (aspiradores, máquinas de café, etc) não só os juros ainda aumentam mais como os produtos desvalorizam e muitas vezes acabam obsoletos para nós próprios. Recorrer ao crédito para compras não essenciais é estar a onerar o nosso orçamento e hipotecar o nosso bem-estar futuro com algo que só nos traz prazer circunstancial.

Lembre-se que um bem só é novo quando o compramos. Depois passa a ser usado. Usado por nós ou usado por outros. Se não for a escova de dentes eléctrica, who cares? Quando compramos a crédito um telefone apenas para ter o ultimo grito da tecnologia mas não retirando vantagens práticas para além do estatuto, estamos a aumentar as nossas responsabilidades e, como tal, a reduzir a nossa própria liberdade.

Limpar os empréstimos parasitas já

Se leu os artigos anteriores, entenderá qual é o meu racional para a relevância dos bens que compramos. Nem tudo é dispensável como não é tudo indispensável. O melhor é decidir com um olho no futuro e outro no instante. Os créditos ao consumo para compra de bens como telefones, eletrodomésticos, etc… corroem recursos de forma permanente. Devemos fugir disso tanto quanto pudermos. Mais vale esperar 3 anos para ter um determinado bem do que andar a pagar por essa compra 10 anos de sacrifícios e privações.

Comece a limpar os seus empréstimos diretos e indiretos. Sim, também os há indiretos sob a forma de pré-condições de fidelização que mais não são do que um crédito disfarçado de gratuitidade. O truque é mesmo começar a limpar, crédito a crédito, aqueles que não fazem de todo parte da nossa prioridade. É preciso pensar sempre que um crédito visa, à partida, assegurar recursos para comprar um bem cujo nosso orçamento não nos permite ter, mas que precisamos absolutamente de ter.

Então para que servem os créditos?

Os créditos servem para ajudar o comum do cidadão a constituir património mesmo quando ainda não tem essa capacidade. O caso da casa é um exemplo claríssimo. Comprar uma casa pela via do crédito é, na maioria das vezes, uma forma eficaz de pagar por um ativo próprio o mesmo que pagaríamos com um arrendamento. Claro que faz sentido um crédito à habitação porque são mesmo muito poucos os que podem pagar a pronto. São inclusivamente poucos os que podem pagar sequer a entrada para a casa.

Faz também sentido recorrer a crédito para formação. A formação implica, à partida, um aumento de receita futura, e uma evolução na carreira. Portanto, um crédito para formação pode fazer bastante sentido. Da mesma forma que não nos devemos deixar levar pelo marketing intensivo gerador de necessidades falsas ou impulsivas, não devemos deixar que o acesso ao dinheiro nos faça usar o dinheiro hoje quando apenas teremos as receitas amanhã. Pelo menos quando tal não constituir um investimento como é a casa ou uma pós-graduação ou algo essencial.

É aqui que se interliga o artigo 4 sobre o fundo de liberdade e o fundo de emergência. Quando não tem a vida embrulhada em créditos e juros parasitas, terá sempre a hipótese de recorrer ao crédito para uma situação de absoluta emergência. Quem tem acesso a crédito fácil não precisa de fundo de emergência.

E crédito para abrir uma empresa? Este tema daria para um artigo completo, mas partilho desde já a minha ideia de que, apesar de uma empresa ser uma forma de investimento, assumir créditos com garantias pessoais para criação de empresas é algo que apenas deve ser considerado como um ultimo recurso. Quando queremos abrir uma empresa, temos um plano e acreditamos no sucesso. Esse plano deve, por si, captar a atenção dos investidores e financiadores, ou seja, tal como a casa serve de garantia ao empréstimo, a empresa e o seu plano deverão dar garantias suficientes a quem acreditar no projeto. Antes de ir ao crédito, vá a parceiros, e depois de ir a parceiros vá então ao crédito mas de forma a que o mesmo se garanta com o seu negócio e não com a sua família pela via de avais, etc.

Dicas para destruir os juros parasitas

  • Faça um “inventário das dívidas”: liste todas as dívidas e identifique quais são os juros parasitas. São aqueles que pagam por bens que já não têm valor ou que lhe trouxeram um prazer momentâneo.
  • Priorize a eliminação: comece por eliminar as dívidas com as taxas de juro mais altas. O dinheiro que pouparmos a cada mês pode ser usado para atacar a próxima dívida.
  • Crie um “fundo de paciência”: Em vez de comprar a crédito, crie uma sub-conta de poupança para os bens que deseja. Assim, estará a poupar para o que quer e a ganhar juros, em vez de pagar juros.
  • Negoceie as dívidas: não devemos ter medo de negociar com o nosso banco. Muitas vezes, é possível obter taxas mais vantajosas ou melhores condições de pagamento. Os bancos têm todo interesse em que sejamos saudáveis financeiramente e que não estejamos insolventes.
  • Não use o cartão de crédito como um crédito: usá-lo como um meio de pagamento, pagando o valor total no final do mês. As taxas de juro do crédito rotativo são, muitas vezes, as mais altas.

Manter o balanço sempre positivo

O grande segredo não está em evitar o crédito a todo o custo, mas sim em usá-lo com inteligência. É preciso entender que as dívidas que constroem património — como um crédito à habitação ou uma formação — são ferramentas que nos ajudam a construir um futuro melhor. Já os “juros parasitas” que pagam por bens que desvalorizam rapidamente, esses minam a nossa liberdade.

O objetivo final é manter o nosso balanço sempre positivo. Nunca devemos ter empréstimos que ultrapassem o valor dos bens que temos. Se mantivermos esta disciplina, garantimos que a nossa estabilidade financeira não está refém do acaso. Em vez de nos sentirmos presos às nossas dívidas, estamos sempre no controlo. Pois no fim de contas, o melhor investimento é sermos donos do nosso dinheiro, e não escravos do dinheiro dos outros.

Artigo publicado na CNN. Veja aqui

Pode ler todos os artigos do “Guia para usar o dinheiro a seu favor” aqui na CNN Portugal

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota veigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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