Se a bitcoin apareceu como uma forma de distribuição de riqueza, como muitos argumentam, inclusive aquele que se supõe ser o seu criador, é importante analisar o que tem estado a acontecer. É precisamente isso que trago hoje.
A bitcoin magazine publica regularmente um mapa comparativo entre a cotação da bitcoin e o número de endereços (para simplificar vou chamar-lhes carteiras) com mais do que uma bitcoin.
Em 2014, cotava a bitcoin perto dos 1.000 dólares e tínhamos cerca de 250.000 endereços com mais do que uma bitcoin. Ou seja, se assumirmos que cada endereço é de uma só pessoa (e não tem que ser necessariamente assim), não haveria mais do que 250.000 pessoas com 1000 dólares em bitcoins no bolso.
Este é um aspeto curioso, sobretudo se pensarmos que a bitcoin, no seu início, era relativamente fácil de minerar e que muitos o faziam em casa com PCs e um software ou com meia dúzia de placas gráficas para mineração.
Podemos, portanto, constatar que, no mundo inteiro, haveria em 2014 cerca de 250.000 pessoas com potencial para ficarem milionários caso a bitcoin aumentasse significativamente de valor, como na altura se pretendia. Não parece assim tanto, considerando o tanto que já se falava do tema na altura.
Em Outubro de 2020 a cotação da bitcoin estava nos 12.000 dólares e existiam nessa altura 800.000 carteiras com mais do que uma bitcoin. Contextualizando, estávamos no meio da Covid, com confinamentos decretados e abolidos e novamente decretados, e com uma enorme intermitência na atividade económica resultante desses confinamentos.
O governo americano havia decidido entregar um cheque a cada família (e jovens) para combater o impacto económico dessa intermitência.
Está-se mesmo a ver o que é que muitos jovens fizeram com esse apoio “inesperado” do governo: ele foi direto para as bolsas – e para as criptos!
A espremidela da Gamestop
Com toda a euforia gerada, em menos de um ano, mais concretamente em março de 2021, a bitcoin já ia nos 50.000 dólares e o mercado de criptos estava completamente frenético. Já em Janeiro muitos destes jovens tinham aderido ao “movimento Roaring Kitty” e provocado o “short squeeze” na Gamestop e AMC de Janeiro.
Um “short squeeze” (traduzindo à letra: “espremidela curta“) é algo que acontece no mercado, numa determinada ação que tem muitos investidores a apostar na sua queda (muitas vezes apostando mesmo na falência), ou seja, a fazer “short selling”. Quando uma ação está demasiado “shortada” ou seja, com muitos investidores a especular a desgraça, e aparece uma notícia relevante positiva, como aberturas de linhas de crédito, uma aquisição, uma notícia favorável sobre um produto da mesma, a mudança da gestão, entre outras…o preço da ação começa a subir rapidamente devido à mudança do sentimento pessimista para otimista. Esses investidores “shorts” que venderam ações que não possuem (ou emprestadas) acabam por ter que fechar as suas posições a fim de reduzirem as perdas e/ou devolver as ações que pediram emprestadas. Estes investidores shorts começam a comprar de forma desmesurada o que faz subir ainda mais o valor das ações como se de uma bola de neve se tratasse.
Enquanto que no mercado das ações uma posição longa não alavancada (long) implica que o investidor só pode perder o dinheiro que investiu (se a ação for para o valor zero), numa posição curta (short) o investidor pode perder, em teoria, um valor infinito já que perde em função do que a ação sobe e a subida pode não ter teto.
Voltando à Gamestop:
Os jovens estavam determinados em mudar o status quo dos mercados. Escolheram o que chamaram de memestocks (ações da moda, cuja compra é motivada pela relação social e não por fundamentos de negócio) e atuaram em “manada”, organizando-se nas redes sociais, mostrando a força que a união pode ter, também nos mercados financeiros. A Gamestop subiu em menos de um mês dos cerca de 20 dólares até aos 480! Enquanto isso, os investidores curtos que estavam a “apostar” na morte da Gamestop perderam uns biliões valentes. Tudo graças aos miúdos e ao squeeze.
Os jovens, sempre com a mesma táctica, já salvaram a Gamestop, os cinemas AMC e até a própria Hertz se safou da bancarrota. É que com a subida das ações de forma vertiginosa por estes milhares de jovens, as empresas emitiram e venderam ações a valores completamente disparatados, devido à febre do momento.
O fenómeno da subida da bitcoin e dos short squeeze em 2021 (e mesmo hoje) estão interligados! As suas compras têm mais fundamentos sociais do que económicos.
Estes jovens foram gerindo os seus recursos entre criptos e meme stocks mudando os recursos de um lado para o outro de forma rápida e sem aviso prévio. Aproveitaram bem o que tinham a mais enquanto estavam confinados por causa da covid: tempo!
Como as euforias são, por definição, provisórias, tudo passou. Em Outubro de 2022 a bitcoin estava em cerca de 19.000 dólares, após um período em que as criptos caíram significativa e quase constantemente durante mais de um ano. Havia nesta altura 900.000 carteiras com mais do que uma bitcoin. O resto da história já todos sabem: estamos agora perto dos 105.000 dólares (e a subir) por cada bitcoin mas o número de carteiras com mais do que uma bitcoin ainda não chega ao 1 milhão.
Um milhão parece muito, mas se considerarmos que somos oito mil milhões a pisar a terra, significa que só 0,0125% de nós tem mais do que uma bitcoin. É francamente pouco para algo que se pretende distribuído, mas muito boas notícias se pensarmos ao contrário: ainda tudo está a começar.
Claro que o facto de uma bitcoin valer mais de 100.000 dólares é já muito significativo mas temos que pensar que não há muito tempo era relativamente fácil ter muitas bitcoins. Onde andavam então os jovens? O que fizeram às suas bitcoins?
De acordo com a CoinGecko já existem cerca de 2,5 milhões de criptomoedas, e são criadas cerca de 5300 novas por dia! É uma dispersão brutal.
Em números redondos a bitcoin vale metade e esses 2,5 milhões de outras criptos valem outra metade do mercado total. Não é muito arrojado dizer que, se só houvesse bitcoin, ela valeria o dobro, mas os jovens são isto mesmo: procuram a novidade e não resistem a um brinquedo novo. A dispersão fez com que os jovens deixassem fugir as suas bitcoins originais, vendendo-as para ir comprar outras criptos sonhando com aquilo que referem quase sempre como objetivo: multiplicar por 100 o valor investido. Já o tinham feito com a bitcoin e quiseram apanhar a próxima leva. E haverá de facto outros tesouros com desempenho igual ou melhor ainda do que a bitcoin, mas, é como já disse algures, é como estar numa canoa no meio do Atlântico a tentar vender pastéis de nata.
A “velha finança” parece ter ganho no que toca a bitcoins. Enquanto os jovens se dispersavam, as bitcoins foram ficando nas mãos dos grandes e desde sexta feira passada passaram inclusive a ter assento no índice Nasdaq 100 pela via da Microstrategy. Trump diz que vai fazer uma reserva estratégica (ver artigo) como outros países mais pequenos estão a fazer, e vai ficar cada vez mais difícil o comum dos mortais contribuintes vir algum dia a ter uma bitcoin inteira só para si.
Tentar adivinhar a que valor a bitcoin poderá chegar é de facto um desafio, mas mais desafio é, à data de hoje, ter de decidir usar 100.000 euros para comprar uma bitcoin e deixá-la ficar ali guardada à espera que valorize. Mesmo pensando numa valorização de 20% ao ano, que muitos advogam, a decisão de colocar poupanças numa bitcoin em vez de colocar, por exemplo, num PPR não é nada fácil.
Ainda existe muita gente a achar que a bitcoin vale zero ou perto disso e, também por isso mesmo, ela continua a não ser aceite pela banca tradicional, que tem sido muito cética acerca da bitcoin e criptos em geral. E você? Se o seu banco o/a deixasse comprar uma bitcoin ou parte dela daria indicações ao seu banco para comprar? Essa é a grande questão.
Mas também há quem refute que a bitcoin não tem valor e profira outros valores. Robert Kiyosaki, autor do best seller (recomendo a leitura) “Pai Rico Pai Pobre” projeta uma queda da bitcoin até aos 60.000 dólares antes de uma subida até aos 250.000 dólares ainda em 2025. Michael Saylor (chairman da Microstrategy) projetou e acertou nos 100.000 dólares para 2024 prevê que cada bitcoin possa valer 45 milhões de euros em 2045.
De zero a 45 milhões. São imensamente dissonantes as projeções o que naturalmente nos deixa num limbo e sem saber o que fazer. Temos no mesmo dia medo de perder a oportunidade (FOMO – Fear of Missing Out, medo de ficar de fora) e medo de estarmos a deitar o pouco que temos janela fora.
A verdade é que muitos falam da bitcoin, mas nós não a vemos e não vemos nada acontecer com ela. Ninguém à nossa volta paga em bitcoins, guarda bitcoins ou minera bitcoins. E, mais ainda, os que o fazem à nossa volta não são como os “miúdos” que partilham informação e até investem em “manada”. Nós, quando vemos um filão, seja nos mercados, seja num artigo interessante, fazemos questão de o guardar e torcer para que ninguém o veja para além de nós, em vez de partilhar e deixar que outros bebam do que pensamos e sabemos.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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