Estas palavras no artigo anterior geraram eco na comunidade dos pequenos investidores de bitcoin, e ainda bem, porque nenhum investimento é infalível e tenho tentado desempenhar o firme papel de colocar na mesa diversas hipóteses que surgem nas minhas próprias análises. Os leitores regulares lembrar-se-ão do artigo (“Fanático ou Negacionista“) onde discerni sobre o facto de a bitcoin não ser fonte de consensos, mas de opostos. Tenho exposto os argumentos de uns…e de outros, ao mesmo que assumo a posição de oportunista perante a bitcoin.
Publicação no Facebook do artigo anterior teve milhares de comentários , link:
A grande diferença no comportamento está no facto de os fanáticos só comprarem, os negacionistas nunca comprarem e os oportunistas comprarem e venderem de acordo com uma estratégia bem definida. E isto é assim por uns acharem que a bitcoin vai subir até ao infinito, outros que ela vai descer até zero e outros aceitarem que as duas hipóteses ainda são possíveis, conviverem bem com elas, e tomarem as suas decisões de acordo com o estado do momento.
Os fanáticos só compram, os negacionistas nunca compram e os oportunistas compram e vendem de acordo com uma estratégia bem definida”. Bernardo Mota Veiga
A onda perpétua e a onda-canhão
No rio Doce, em Minas Gerais, os surfistas brasileiros encontraram uma nova forma de fazer surf. As pedras no fundo do rio e a forte corrente criam uma ondulação forte permanente, que permite aos surfistas surfar quase “perpetuamente”. Em Portugal, temos o oposto no Canhão da Nazaré, onde ondas gigantes são disparadas, terminando em poucos minutos numa montanha de espuma.
No rio Doce, os surfistas podem passar horas a surfar em permanência, assim as pernas aguentem; na Nazaré têm de esperar pela onda certa que subirá… e em minutos descerá. Em ambos os locais há surfistas, mas para cada deles é preciso uma estratégia completamente diferente para abordar a onda. Depois, há os que surfam a onda do rio Doce e esperam que, de tempos a tempos, saia um mastodonte vindo lá do canhão da Nazaré!
Como em qualquer investimento, é fundamental montar a estratégia certa para tentar reduzir o fator sorte. Porque a sorte gera falsa autoconfiança, ela é o maior inimigo do investidor.
A sorte gera falsa autoconfiança, ela é o maior inimigo do investidor”. Bernardo Mota Veiga
Para os que acham que a bitcoin se assemelha a uma onda do canhão da Nazaré, em que do pico se volta à cota zero ou perto disso, é fundamental desenhar uma estratégia que acomode essas grandes oscilações. Para os que acham que a bitcoin são as correntes de ondas do Rio Doce, o melhor será uma estratégia com tomadas de decisão mais rápidas, para surfar as múltiplas ondas mais pequenas e colher os picos que cada uma oferece.
Tenho implementado uma estratégia mais oportunista perante a bitcoin, que até ao momento tem dado mais frutos do que qualquer uma das outras. Num sistema com variáveis que não conseguimos controlar em pleno, é muito difícil definir um plano a longo prazo e, portanto, mesmo acreditando que a bitcoin é uma disrupção tecnológica de futuro e muito mais do que um mero produto de investimento, a incapacidade de formatar considerações sobre o seu valor de longo prazo leva-me a aplicar esta estratégia de curto/médio prazo.
Cada dia é um novo dia para a bitcoin e a cada dia nascem ilusões e desilusões – e, com elas, a oportunidade.
O que Trump (não) disse
Trump fez esta semana um discurso inquietante. Não pelo que falou, mas pelo que não falou.
Claro que o tema da Gronelândia e Canadá são temas interessantes e porventura preocupantes, mas o que a comunidade cripto queria ouvir era uma palavra sobre a reserva estratégica de bitcoins a ser feita pelos Estados Unidos da América.
Trump e a equipa afirmaram em campanha eleitoral que aprovariam a constituição de reservas de bitcoin nos EUA, com o intuito de chegar a um milhão de bitcoins. Esta decisão, à cotação atual, custaria aos cofres americanos quase cem mil milhões de dólares, um valor já de si impressionante, mas que pode ser muito, mas mesmo muito mais.
Sabemos que não haverá mais do que 21 milhões de bitcoins (a não ser que haja consenso para um “fork” na rede blockchain). Sabemos também que neste momento são mineradas 328.500 bitcoins por ano (900 por dia), mas também sabemos que os grandes mineradores (uma espécie de produtores de bitcoins) têm decidido ficar com as suas bitcoins (e até a comprar mais), em vez de as venderem no mercado.
O governo americano teria, portanto, de comprar grande parte desse milhão de bitcoins a quem já as possui hoje, e que muito provavelmente as adquiriu há muito tempo: as chamadas whales, ou baleias de bitcoin.
A somar, veríamos provavelmente outros países a decidir rapidamente copiar o modelo, assim como algumas grandes empresas cheias de liquidez possivelmente iriam aderir à ideia das reservas estratégicas de bitcoin.
É aqui que repesco o meu ultimo artigo. A estratégia dos EUA impactará, sem dúvida, a bitcoin. Pode levá-la ao infinito e pode levá-la a zero.
Uma estratégia que assumidamente coloque a bitcoin como um ativo essencialmente americano irá afastar os outros países desse ativo. Uma estratégia que agregue e aguce o apetite de outros pode fazer a bitcoin subir indefinidamente.
O discurso americano sobre a bitcoin está, portanto, perigoso na forma. Negacionistas e fanáticos deverão pois estar atentos, seja para sair, seja para entrar.
Lançar uma ordem de compra pré-anunciada provoca quase sempre o mesmo resultado: aumento do preço do bem a adquirir! Quando essa compra vem da reserva americana, e perante um bem de quantidade finita e limitada como a bitcoin… imagine-se.
A verdade é que o governo americano pode não ter outra opção. Ou mata a bitcoin ou guarda a bitcoin!
Depois da pressão dos democratas, da SEC e de tantas instituições assumidamente contra a bitcoin, matá-la agora seria uma degradante ratoeira que Trump teria colocado nas eleições para caçar uns milhões valentes de votos. A opção de boa fé mais espectável no momento é mesmo a de “guardar” a bitcoin, mas se este plano for demasiado ambicioso, pode ficar-se isolado e ter uma bitcoin que só compete com…o dólar.
A chave (ou o cadeado) dos ETF
Volto à questão anterior: se não há produtores suficientes a vender, e se os que já a possuem não a venderam até agora, de onde virão as bitcoins? E a que valor irá o estado americano constituir a sua reserva?
Se eliminarmos aqueles que sempre disseram que as suas bitcoins não são para vender, sobra apenas um dos grandes grupos de acumuladores de bitcoins: os ETF’s! Será que os investidores em ETF estarão dispostos a vender por valores sequer próximos dos 100.000 dólares? Não acho. Os ETF’s começaram no primeiro trimestre de 2024 e foram para muitos o veículo de entrada na bitcoin. Não acho que quem investiu nesses ETF veja a bitcoin a 100.000 dólares suficientemente apelativa para vender, nem agora, nem depois do governo americano dizer que quer muitas bitcoins, a não ser que haja um franco disparo na sua cotação.
Cem mil dólares já não são suficientes para grande parte dos investidores em bitcoin – e é por isso que enquanto surfo a onda do rio aguardo pelo dia 20 para ver se vem lá mega-onda!
A minha estratégia passa por receber o conforto da linha de tendência da bitcoin que tem tido uma permanente direção de subida e maximizar os proveitos em cada mini-onda, enquanto me mantenho atento às ondas grandes como a que aconteceu no pós-eleições. Ou seja, tento surfar ondas perpétuas e ter coragem para, de tempos a tempos, apanhar uma bela mega-onda. A decisão da reserva americana pode mesmo ser a maior onda de sempre.
A decisão da reserva americana pode mesmo ser a maior onda de sempre.” Bernardo Mota Veiga
Pode ter havido uma (boa) razão para Donald Trump não ter falado das reservas estratégicas no seu discurso desta semana. Viu-se na cotação do dia seguinte o quanto isso pode ter desapontado os investidores que o ouviram falar de tudo menos daquilo que realmente os inquieta e motiva: a bitcoin.
Trump não se poupa ao espetáculo: um tal anúncio na quarta-feira teria sido tão espetacular que ninguém se lembraria da Gronelândia ou do Canadá ou do “Golfo da América”. Seria enorme a euforia na bitcoin e na bolsa e talvez tenha sido por isso que Donald Trump preferiu não mencionar o tema, para não abafar outros temas geopolíticos estratégicos.
Curiosamente, Trump não falou do tema, mas Elon Musk escreveu no seu perfil na rede X: “Se a inflação em dólares for resolvida, o preço das criptomoedas em dólares irá na verdade cair, se tudo o resto ficar igual”. Tal revela a vontade de um dólar muito forte, o que nos empurra novamente para o risco da unilateralidade americana perante a bitcoin. Embora isso soe mal no curto prazo, no médio prazo podemos ter aqui boas notícias. Um dólar muito forte pode efetivamente fazer disparar o interesse de outros países na aquisição de bitcoins como forma de colateralizar as suas moedas.
O mercado está sempre alerta e pode esperar pelos anúncios na altura certa. O mercado sabe que parte do valor da bitcoin hoje já acomoda a positividade do novo governo perante a bitcoin e as criptos em geral, e portanto o mercado sabe que se Trump não seguir a promessa eleitoral, a bitcoin vai passar por um período turbolento – mas sabe que, se seguir, pode não haver um teto tão cedo para o valor da bitcoin.
Até que o governo americano exponha o que tem andado a cozinhar (ou não) quanto às criptos, iremos decerto ter altos e baixos no valor da bitcoin, com investidores nervosos e ansiosos a passar da euforia à depressão em poucos minutos. É para esse estado de semi-caos que preparei a minha estratégia.
Esta volatilidade favorece os investidores pacientes e com um processo bem definido, já que lhes dá tempo e múltiplas oportunidades de “entrada”, enquanto a tendência se consolida. Investidores menos estrategas e mais emocionais são muito mais reativos a oscilações de curto prazo, passando da tal euforia à depressão em poucos minutos.
Como são muito menos os investidores em bitcoin do que os não investidores, é quase certo que, se Trump avançar com a promessa, poderá haver muitos milhões de arrependidos que começarão a olhar para a bitcoin muito cá de baixo e sem condições para lhe chegar, enquanto a cotação da bitcoin foge… para um infinito.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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