A resposta da administração americana – diga-se, de Donald Trump – foi imediata nas redes sociais: 25% de tarifas sobre bens importados da Colômbia (que serão aumentadas para 50% dentro de uma semana), proibição de viagens a cidadãos colombianos, vistos revogados para membros oficiais da Colômbia, e a mesma dose para todos os seus aliados.
Em cima disso, saiu uma ordem de inspeção rigorosa aos bens chegados da Colômbia, assim como sanções bancárias a todos os membros do partido do governo colombiano, familiares e aliados.
A Colômbia exporta para os EUA quase 15 000 milhões de dólares, sendo que quase metade desse valor corresponde a produtos derivados do petróleo. É difícil perceber quem perde mais nesta retaliação económica (mais difícil é saber quem tem razão, mas não me vou sequer pronunciar sobre isso), mas certo é que os produtos derivados do petróleo encontram sempre mercado, pelo que a Colômbia não será assim tão afetada por estes bens em si… O mais curioso é que o maior volume de exportações dos EUA para a Colômbia também é petróleo ou derivados: a Colômbia envia para os EUA quase 7 000 milhões e recebe dos EUA 5 000 milhões. Digamos que a Colômbia ganha em 2.000 mas, em todo o caso, não estamos a falar de uma clara interdependência entre países.
A questão aqui – e já lá vamos ao tema bitcoin -, tem a ver com a nova realidade do comércio internacional. As retaliações políticas parecem estar a caminhar no sentido das retaliações económicas em vez de para negociações e argumentações. Um país zanga-se com o outro e de imediato tenta tocar no “osso” que é o impacto económico, que leva ao impacto social direto, o que naturalmente condiciona os políticos do outro lado, sobretudo em países mais pobres. Tem sido assim com as sanções, sejam elas por guerras, por subsidiação ou, com esta nova moda, por migração!
As tarifas são uma das pontas do iceberg, porque o verdadeiro impacto advém da moeda. As trocas comerciais são fundamentais para vários países (ou mesmo quase todos) porque podem dinamizar a economia, mas sobretudo criar um balanço entre moedas. A Colômbia importa bens que paga em dólares e exporta bens que recebe em dólares. Se exportar mais do que importa (aqui está o tal diferencial de 2000 milhões em produtos de petróleo), sobram-lhe dólares e os dólares para os colombianos valem mais do que o peso colombiano e valem mais do que os bens.
Desde 2011, o dólar apreciou mais de 100% face ao peso colombiano. Para um colombiano, ter dólares na mão é uma forma de combater as inflações altas e a moeda baixa, até porque ambas estão fortemente ligadas.
Além disso, a nível governamental, interessa ao governo ter receitas recorrentes em dólares, as grandes dívidas destes países estão de facto ligadas ao dólar e não à sua moeda local.
Se, em 15 anos, a moeda local baixou para metade face ao dólar, isso significa que a sua dívida em dólares aumentou para o dobro. Claro que é difícil levantar estes países!
Na Colômbia, e apesar dos números estarem a evoluir no sentido de melhoria, quase 40% da população vive abaixo do limiar da pobreza. São 20 milhões de pobres extremos versus 30 milhões que não são propriamente ricos.
Surpreendentemente, ou não, na Colômbia há, de acordo com o último relatório de meados de 2024, oito milhões de utilizadores de cripto moedas ou seja, 26% daqueles que estão fora da pobreza extrema. É aqui que entra a bitcoin!
Oito milhões de colombianos com criptos
Na Europa, ainda temos a ideia de que a bitcoin é a moeda dos ricos, mas quando olhamos outros países, como a Colômbia e mesmo o Brasil, entre outros, vemos que a bitcoin é de facto vista como um escudo de proteção face às políticas do país, a sua implicação na inflação e na moeda e a dependência de produtos externos.
A bitcoin pode ser o caminho para harmonização da riqueza, assim a mesma encontre o seu caminho original sem qualquer fronteira e independente de políticas. É que, para um colombiano, pode de facto ser mais seguro ter bitcoins do que pesos colombianos ou mesmo dólares. Os pesos e os dólares dependem das trocas comerciais, da economia do país e das escolhas que forem feitas por quem o governa, mas a bitcoin não depende de nada disso. A bitcoin é um valor universal, ue vale o mesmo em qualquer parte do mundo e pode inclusive ser transportada para qualquer parte, sem necessidade de mala, e sem risco de ser usurpada por qualquer político no tapete das chegadas do aeroporto…
A bitcoin é universal e é portátil e, por ambas razões, torna-se indesejada para muitos e amada por muitos mais. O problema é que uns têm mais poder do que outros, mas também porque uns estão concentrados e outros estão dispersos nas 100 000 criptos criadas por dia!
A bitcoin nasceu para dar A oportunidade que o velho dinheiro já não pode dar!
Para nós, aqui na Europa, trata-se apenas de mais um investimento. Somos menos emotivos, e a vida da maior parte de nós talvez dependa pouco da bitcoin, mas para outros isso é muito mais do que um investimento como outro qualquer. Em muitos países, a bitcoin é atualmente a única forma de muitos saírem de um contexto económico a que foram condenados, sem poder de defesa, nem de escolha.
Dizermos que a bitcoin é a moeda dos esquemas é esquecer os que a usam para fugir dos esquemas políticos que mantêm a pobreza instalada e a riqueza concentrada.
Quando os Estados Unidos encontram mais de um milhão de colombianos no seu território, encontram também pessoas que fugiram de um país onde o rendimento per capita não só vale um quarto do americano, como, em cima disso, o tempo o fez estar muito mal distribuído. O mesmo acontece com os dois milhões de brasileiros que por lá estão também. O real desvalorizou face ao dólar mais de 30% em 10 anos. É claro que é aliciante ir para os EUA ganhar dólares em vez de ficar no Brasil a ganhar reais com uma inflação de 5% nos anos bons.
Volta a entrar aqui a bitcoin no caso brasileiro.
Bitcoin cresce no Brasil
Um estudo da Sherlock Communication aponta que 24% da população brasileira já possui algum tipo de criptoativos e prevê que, em 2030, será metade da população. Sim. Metade!.
Não porque as criptos tenham virado uma moeda digital que se usa para pagar o almoço, mas porque os brasileiros encontram nas criptos uma forma de não perderem o que já conseguiram e, correndo bem, como tem sido o caso da bitcoin, valorizarem e de que maneira as suas poupanças.
Percebendo-se o contexto brasileiro, o difícil é explicar porque é que “só” 25% da população possui criptoativos. Mas se aplicarmos o mesmo racional acima, ou seja, se retirarmos os 30% de brasileiros abaixo da linha da pobreza (e como tal sem acesso a poupança), chegamos à conclusão de que já hoje 35% dos brasileiros que podem ter algum criptoativo por pouco que seja… têm-no!
Os brasileiros podem mesmo estar na linha da frente nesta forma de ver os números e talvez os brasileiros precisem mais do que ninguém que a bitcoin e afins se mantenha e, idealmente, que cresça. É uma enorme jogada económica do povo brasileiro, e que pode correr muito bem para muitos milhões.
É tudo isto que cria enormes medos em algumas hostes políticas e económicas: O medo de perder o controle sobre os dependentes e o medo que ex-dependentes se engrandeçam e passem a ter mais voz.
A bitcoin é a única possível solução do momento, mas para o ser de forma definitiva, terá que vencer as resistências do status quo, ao mesmo tempo que, com humildade, possa vir com ela um mundo mais bem distribuído e melhor. Quiçá um mundo de forças equidistantes e sem subjugados.
O fio da navalha define a diferença entre eliminar a bitcoin e, com isso, empobrecer ainda mais o mundo, ou deixar que todos adiram em força para esta solução que não fará os ricos menos ricos, mas fará os pobres mais ricos. Há sem dúvida uma luta aqui cuja oportuna retórica negativa parece estar a conseguir vingar. Cabe aos menos poderosos imporem a sua convicção.
PS: o presidente das Colômbia anunciou, entretanto, que se iria manter a recusa de deportação “indigna” dos colombianos pela via de voos militares (no caso dos brasileiros, eles foram inclusive deportados algemados) e que não precisa da força aérea americana pois ele próprio iria disponibilizar o avião presidencial para que os colombianos pudessem regressar de forma digna ao seu país. Foi o primeiro embate de Trump nesta nova abordagem do “ou vai ou taxa”, neste caso com alguém bem mais pequeno. Vou abster-me, como atrás, de me pronunciar quanto a quem ganhou a razão.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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