A Polymarket apresenta uma probabilidade de recessão nos EUA de 61% para 2025.
Estamos a ter uma segunda feira quente! Veremos se é negra ou apenas cinzenta; e se tudo passa do verde ao vermelho sem passar pelo amarelo.
Os mercados americanos fecharam os dois últimos dias da semana passada a cair mais de 5% em cada dia. Para se verem performances destas temos que ir até ao Covid-19, depois até ao “suprime” e depois diretos para 1928. A Bitcoin tem-se aguentado de uma forma heróica, para um ativo que muitos dizem não valer coisa nenhuma. As outras criptos estão a ir no caminho do valor residual. A prata tombou enormemente tal como as outras “commodities”, mas a prata é especial: a prata não cai 7% num dia….mas caiu. Os mercados estão a antecipar uma recessão brutal!
Os mercados norte-americanos fecharam a semana passada perdendo em valor o mesmo que valem todas as 21.000.000 bitcoins juntas… multiplicando por cinco. O tema dos mercados, sejam lá que mercados forem, são… as tarifas de Donald Trump.
As quedas são tão brutais que tive que atualizar este artigo escrito durante a noite, já com dados da manhã.
Uma guerra comercial
Não vou escrever sobre a estranha forma de cálculo de tarifas que Trump, que tiveram em conta não exatamente as tarifas aplicadas pelos outros países, mas sim a diferença da balança comercial – importações versos exportações de bens americanos. De facto, muitos países estão a pagar não com a reciprocidade de tarifas, mas sim com a não reciprocidade das compras e vendas. Os EUA querem transformar os vendedores em compradores, mas há casos que não são fáceis de resolver. Como irá o Vietname compensar com compras aos EUA as vendas que faz para lá?
Foi este “requinte de malvadez” que surpreendeu os mercados. A administração americana assegurou uma tarifa mínima de 10% aplicada a quase todos os países, aplicando depois tarifas monstras a outros, incluindo China e Europa.
Não vou, claro, referir a famosa ilha dos pinguins da que tantos falam como símbolo de uma pseudo-estupidez, até porque não é estupidez nenhuma. Se algum país ou região tivesse ficado de fora do mapa de tarifas, iria ser de imediato utilizado como ponto de entrada para os Estados Unidos e, portanto, a tal ilha que só tem pinguins poderia ter-se tornado no maior exportador para os Estados Unidos. Assim é o comércio internacional quando encontra brechas.
Olhar para as tarifas de Donald Trump desta forma jocosa não só não resolve a questão, como não ajuda a entender as reais razões para esta “guerra comercial” aparentemente sem sentido, mas cheia dele.
Os Estados Unidos da América estão de facto numa situação difícil já, para não dizer incomportável. Donald Trump avisou que viriam tarifas muito relevantes durante o seu mandato, pelo que é estranho ver agora os magnatas surpreendidos. Trump avisou que as tarifas iriam ser o seu modelo de ressurreição americana, mas pelos vistos os grandes magnatas e inclusive financiadores da campanha de Trump não acreditaram. Tirando os apoiantes incondicionais, muitos dos apoiantes ocasionais de Trump e da MAGA coçam agora a cabeça enquanto olham para as carteiras e vêm voar biliões e biliões de dólares.
Saber como reagir a Trump obriga a perceber as suas razões e as suas intenções, mesmo que aparentemente não tenha razão nenhuma e mesmo que pareça que está cheio das piores intenções. Pode não ser assim tão evidente!
O poder das marcas
Os Estados Unidos são uma potência assente em marcas. Hoje não sabermos se a reputação dos Estados Unidos advém da reputação das suas marcas ou se reputação das suas marcas advém da reputação dos Estados Unidos.
Não é relevante se nasceu primeiro a galinha ou o ovo, mas é relevante perceber o porquê da necessidade de os Estados Unidos implementarem tarifas, até porque isso vai ajudar a perceber se Trump está a travar uma guerra interna ou externa. O problema dos Estados Unidos está dentro das suas marcas e das grandes empresas que criam marcas americanas mas que depois decidem ir produzi-las lá fora, quase sempre bem longe!
É preciso dividir as importações dos Estados Unidos entre importação de marcas e importação de “commodities”. Por “commodities” quero dizer o que chamamos aqui de “marca branca”.
Temos um exemplo extremamente evidente: os EUA têm algumas das maiores marcas mundiais de calçado desportivo – marcas e empresas que desenvolvem e exploram essas marcas -, no entanto, importam a grande maioria do calçado desportivo. Porquê? Essencialmente pelo lucro!
Todos sabemos que o poder da marca se reflete precisamente no preço final do produto e potencia enormes margens. Uma sapatilha de marca branca custa bastante menos do que uma sapatilha de marca mesmo que por vezes seja fabricada no mesmo local.
Marcas fortes são sinónimos de margens fortes, e os americanos adoram as suas marcas!
Além disso, marcas de topo não competem por margem, mas por dimensão de mercado. Isto aplica-se a sapatilhas, a telemóveis, a carros… a tudo!
Wall street sempre foi mercenário e agnóstico nas suas decisões. O propósito final dos mercados financeiros tem-se construído em torno do lucro, que depois é partilhado pelos acionistas. Em Wall Street residem as maiores empresas do mundo porque em Wall Street há empresas para as quais o mundo já ficou pequeno!
Em oposição ao que acontece noutros países, as empresas americanas angariam desde o seu primeiro dia fundos quase ilimitados para que possam crescer e internacionalizar-se. Para as empresas americanas, os 300 milhões de americanos são quase sempre poucos.
Quando uma marca americana decide internacionalizar-se, nomeadamente para outros países que não a Europa e Canadá, tem, quase sempre, que garantir a produção nesses países a fim de manter as margens “saudáveis “que tanto apreciam e que as suas marcas “merecem”. Até aqui está tudo bem, mas quando essas marcas começaram a ver que poderiam usar a deslocalização das suas fábricas para aumentar o lucro através de vendas no mercado interno, os EUA começaram a ver as suas fábricas voar para longe. Eu até diria: para bem longe.
Uma marca forte consegue trabalhar com margens tais que a localização das suas linhas de produção apenas tem a ver com os lucros. A generalidade das marcas perdeu o “sentido de estado” ou seja, o sentido do desenvolvimento local.
As marcas reduzem o impacto do fator da competitividade mas não reduzem o fator lucro. É essa a grande guerra comercial!
Guerra externa e… interna
Ou seja, Trump não está a travar a sua luta com os países que referenciou na fatídica conferência do “Liberation Day”, mas sim uma luta dura com os empresários americanos e com muitos dos seus CEO. A luta é com aqueles para quem 1% de margem vale muito mais do que o impacto social no seu país, ou mesmo do que a própria estabilidade e construção de riqueza do seu país.
Se virmos bem, grande parte das importações que vão sofrer com estes aumentos de taxas são, na realidade, produtos “americanos” produzidos em qualquer outra parte que não a América. Sem o dizer directamente, Donald Trump está na realidade a desafiar os empresários americanos e não os estrangeiros! Os fabricantes de automóveis que largaram Detroit para irem produzir os carros americanos no México para aumentar as margens nos EUA e não para aumentar a sua competitividade.
Claro que os alemães vão “apanhar por tabela” mas como diria Rambo, “They Drew First Blood”, eles é que começaram. As tarifas contra eles são mais colaterais do que propriamente estratégia.
Se há país defensor e orgulhoso das suas marcas, são os EUA. Mais do que isso, quando uma marca estrangeira começa a ganhar expressão nos EUA, o mais provável é mesmo ser comprada pelos “lobos de Wall Street” e passar a ser americana.
Os CEO que apoiaram Trump vão ter agora que redesenhar as suas estratégias e levar essa produção para os EUA doa a quem doer. É isso que o presidente quer e talvez nisso tenha mesmo razão de ser a sua estratégia de aplicação de tarifas como forma de disciplinar o mercado. Construir marcas globais sem deixar emprego no país é, de facto, um disparate económico e ambiental e, nesse sentido, o mundo tem mesmo que mudar.
E a Europa, o que pode fazer?
E a Europa, e outros países, deverão fazer o quê? Existem várias opções mas duas são extremas:
Opção A – Não Fazer nada e deixar que Trump coloque a casa em ordem e consiga virar a cabeça dos engravatados de Wall Street ao ponto de os levar a construir linhas de produção nos EUA, reduzindo a sua margem no mercado interno.
Neste caso, obviamente os lucros irão descer se se mantiverem os preços de venda ao público de hoje, mas essas marcas não terão muitas opções.
Uma pré-condição para que funcione tem a ver com o compromisso das ditas tarifas. É que os empresários americanos agora já estão com um discurso muito voltado para a consistência das tarifas ao longo do tempo dizendo que só faz sentido levar a produção para os EUA se as tarifas efetivamente se mantiverem por muitos anos: dois anos para construção das fábricas mais os anos necessários para que justifique produzir nos EUA, vender e ganhar margem para pagar as ditas fábricas. Ou seja: muitos empresários ainda não perceberam mesmo depois deste choque, que não é suposto as tarifas serem o propósito, mas sim a disciplina e o alargamento do lucro intangível ao país e à comunidade.
Opção B – Retaliar, mas sem copiar, até porque os grandes alvos de Trump são as próprias empresas americanas e não propriamente as europeias.
Impor tarifas retaliatórias não só é contraproducente como fará escalar ainda mais o tema a um ponto de insustentabilidade.
A Europa e restantes países deveriam sim aproveitar esta leva de disrupção dos mercados internacionais para regular e otimizar o comércio internacional a fim de obrigar as marcas globais a deixar efetivamente valor nos mercados onde fazem negócio e não só no país onde possuem as suas sedes.
Quantas marcas americanas (e não só) conhecemos que fazem lucros monstruosos num determinado país sem que efetivamente deixem nesse país uma proporcional valia fiscal?
O comércio internacional é diabólico e assente numa espécie de modelo de “central de compras” que faz com que as sucursais comprem os seus bens à casa mãe e recebam diretamente os produtos de um país terceiro, levando a grande parte dos lucros para a casa mãe, pagando os impostos aí, e deixando margens residuais nos outros países não contribuindo para a receita fiscal dos mesmos.
Ou seja: a Sucursal A compra à casa mãe no país C um sapato por 60 dólares. Esse sapato custou 20 dólares a produzir no país B mas será vendido no país da sucursal A por 100 dólares.
Resultado: vão 40 dólares de lucro direitinhos para a casa mãe no país C, ficando a filial no país A com um lucro a declarar no país A de 20 dólares, aos quais há que descontar todos os custos. O país A tem uma receita fiscal mínima, a casa mãe consolida no país C o bolo dos lucros . É isso que também acontece também com as empresa americanas!
Ora se a Europa e demais países afetados por tarifas aproveitarem para regular melhor o comércio internacional e se com isso fizerem com que estas triangulações acabem, acaba-se também a globalização tal como a conhecemos. Cada empresa terá que partir os seus lucros efetivos pelos países onde está presente e onde faz negócio. Sendo os EUA um país de marcas globais, é fácil de imaginar o impacto nos EUA.
É que se os outros países obrigarem as empresas americanas a pagarem os seus impostos onde operam, vão colocar pressão nos tais CEO porque lhes irão retirar o poder da concentração dos lucros no país de origem, obrigando-os também a investir nos países onde operam para que com esses investimentos possam otimizar as suas questões fiscais. Com uma medida destas, poderia inclusive fazer sentido ter mais fábricas fora dos EUA porque é fora dos EUA que as vendas se fazem!
Trump tem razão quando diz que muito tem que mudar no mercado internacional e a deixa que está a colocar em cima da mesa pode ser de enorme vantagem para muitos países, se conseguirem fazer a leitura certa e tomar as acções certas. A grande questão do comércio internacional não são as tarifas em si, mas a forma como é feita a distribuição dos lucros, ainda antes de os mesmos serem consolidados na casa mãe. Trump pode, com esta turbulência, permitir que muitos países beneficiem das marcas americanas e não só. Ou seja, que beneficiem dos impostos reais que resultam da atividade, ainda que meramente comercial, num determinado país. Donald Trump arriscou portanto muito ao optar pela disrupção.
Haverá muitas outras formas de retaliar, mas é bom que os países percebam que os EUA estão entre a espada e a parede porque se encontram numa posição de quase insustentabilidade. Trump pode não ter mesmo outra opção a não ser assumir esta guerra para manter o país digno, e temos que considerar fortemente esta hipótese. Ninguém quer uns EUA fracos e em crise profunda consequente que gerará instabilidade à escala mundial. Pode ser preciso ajudar Trump em vez de retaliar.
A aplicação de tarifas está a isolar os EUA do resto do mundo e isso continua a não ser bom, goste-se ou não do presidente e da sua equipa. Cabe aos outros países encontrar mais formas de apoiar as necessidades dos EUA para evitar a falência de um estado que faz parte do equilíbrio global.
Os que têm motivos para ficar nervosos são mesmo os americanos e as suas empresas. Os primeiros porque poderão ver efetivamente a inflação a disparar, os segundos porque poderão ver efetivamente as suas margens minguar. Haverá um equilíbrio no meio termo e não é à toa que os “Lobos de Wall Street” já deram inicio à romaria a Mar-a-Lago a fim de convencerem Trump a arrepiar caminho. É este o objetivo. A solução está mesmo nos CEO americanos… nos que levaram as fábricas para fora e que terão agora que as criar lá dentro.
Entretanto…tentemos sobreviver aos ataques cardíacos com que os mercados nos tentarão aniquilar.
Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui
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