Vamos perder o emprego mas não vamos perder o salário

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Os ganhos de eficiência com a Inteligência Artificial vão ser tão grandes que muitos de nós poderemos passar a trabalhar metade do tempo - ou nem sequer trabalhar. É aqui que entra o Rendimento Básico Universal e o pagamento de impostos por robots

Quando ouvi falar pela primeira vez no UBI (Universal Basic Income), ou rendimento básico universal, achei uma perfeita idiotice e mais uma forma de retirar a quem trabalha para dar a quem não quer trabalhar. Estávamos em 2017 ou 2018 quando a Finlândia veio com esta ideia, que inclusivamente decidiu testar.

Não acredito que quem teve esta ideia fosse suficientemente guru para antecipar o que o mundo reservava, até porque os argumentos da altura eram bem diferentes da realidade de hoje, mas a minha opinião do momento também não se baseou em tudo o que tive oportunidade de aprender (e apreender) sobre bitcoin e inteligência artificial (IA).

Hoje olho para essa ideia do rendimento básico universal de uma forma completamente diferente. E há uma razão principal para isso:

Num artigo anterior falei aqui das vantagens de recorrer à inteligência artificial para desenvolver um modelo de médicos de família digitais em vez de esperar 11 anos para formar novos médicos. Se a IA pode colaborar tanto numa área específica como a medicina, imagine aplicar estes modelos a sectores como serviços da administração pública, call centres e apoio ao cliente, seguradoras, veículos/táxis autónomos, arquitectura, decoração, marketing, serviços jurídicos, engenharia, etc…

Conseguiu imaginar? Na verdade, não precisa de imaginar, porque muitos destes projetos já são reais, pelo menos dentro das quatro paredes das empresas e instituições que os desenvolvem.

São mesmo muitos os projetos que estão a ser cozinhados para que a inteligência artificial ocupe tantos dos nossos lugares, ou que nos ajude a aumentar a nossa eficiência de forma dramática. Os americanos chamam-lhes AI Agents (Agentes IA). Quando ouvir esta palavra, já sabe…é um robot pronto a trabalhar!

Treinar um agente leva tempo, mas depois é preciso apenas dois segundos para multiplicar por mil o número desses agentes. 

Está claro que vamos aumentar de forma drástica a produtividade, e que vamos poder ter projetos implementados quase de imediato que antes demorariam dias ou meses a ser desenvolvidos.

Assusta-me quando ouço dizerem que a IA é o futuro. A IA é presente, está a crescer de forma absolutamente exponencial e está quase pronta a ser vertida para a a sociedade e a criar nela um verdadeiro tsunami!

Em relação a uma enormidade de tarefas, vamos ter uma de duas hipóteses do ponto de vista social: ou passamos a trabalhar metade do tempo, ou muitos de nós não irão sequer trabalhar.

Está muito claro para mim que muitos dos empregos que hoje existem irão desaparecer por completo. Os modelos de inteligência artificial começaram recentemente a interagir diretamente com os humanos e depressa ganharão ainda mais capacidade analítica. Na realidade ,quando interagimos com a IA estamos a treinar esses modelos e não propriamente a beneficiar deles. Para os pessimistas, será um cavalo de Tróia; para os otimistas, o grande salto da humanidade. Estamos ainda numa fase de transição que culminará com a autonomia que esses modelos irão conquistar.

O impacto destes agentes será brutal, e será muito mais rápido numas áreas do que noutras. Só não há dúvidas de que tocará em todas as áreas.

Faça você-com-IA mesmo 

Na semana passada andei às voltas com a IA para tentar perceber como funcionaria uma rede wireless de transmissão de energia tal como Nicolas Tesla um dia referiu. Fiquei estupefacto com o pouco tempo que me foi necessário para entender o conceito.

Com o “google” tradicional, teria que pesquisar uma enormidade de artigos e mesmo teses académicas até que no final eu próprio montasse as peças e retirasse as minhas conclusões com o pouco da formação em física que me resta. Com a IA, basta saber que perguntas fazer, quais as dúvidas a clarificar e definir aonde queremos chegar. Precisei de meia hora para ter a imagem global que pretendia.

Claro que é preciso conhecimento para sabermos o que pretendemos saber, e neste caso eu estava na minha “praia”, mas quando sabemos o que pedir…a IA é de facto absolutamente incrível.

Passámos de um Google que nos dizia onde está o que queremos para uma IA que nos diz diretamente o que queremos saber.

Agora vejam: vou ao google maps, defino o perímetro do meu terreno e peço ao Agente IA Arquiteto que me dê um projeto de uma casa. A IA irá conciliar os aspetos legais do PDM, entre outras, como distância à casa do vizinho, distância à rua, volumetrias de construção, e todos os condicionantes legais, e vai oferecer-me um projeto com base nos critérios que eu definir, de estilo, hábitos de vida, enquadramento paisagístico e requisitos especiais.

Posso até começar por definir o orçamento máximo para esse mesmo projeto, porque a IA vai conseguir estabelecer o caderno de encargos e ainda vai conseguir incluir os vários projetos de especialidade como água, eletricidade, IT, gás, etc…

É este o poder da IA.

Claro quer os arquitetos irão dizer que não é a mesma coisa, e não é, mas convenhamos que se a IA consolida a informação que obteve de milhões de arquitetos por este mundo fora com outros tantos milhões de projetos, desde os do gabinete do Foster ou os do Siza, é provável que nos apresente algumas soluções interessantes. É que eu posso inclusive definir que quero uma casa estilo Souto Moura ou estilo Maki Fumihico.

Os arquitetos não vão acabar, mas vão ter que se adaptar e encontrar a sua posição nesta nova forma de fazer arquitetura. Negá-lo não vai ser bom!

Tal como eu disse, vai ser preciso saber o que queremos saber, e saber encomendar à IA. Quem melhor do que um arquiteto para saber o que pedir ou o que mandar fazer à IA?

Mudança social

É aqui que entra a mudança social. Os bons arquitetos vão, ao mesmo tempo, servir de base aos modelos e encontrar neles um apoio infinito para terem muito mais tempo para trabalharem a sua componente criativa; os razoáveis não vão encontrar facilmente espaço para competir com o robot.

Ou seja, ou não vamos precisar de tantos arquitetos ou cada arquiteto vai ter que trabalhar muito menos horas por dia para fazer 10 vezes mais projetos. O Autocad deixa de ser uma ferramenta usada pelo arquiteto para passar a ser uma ferramenta do robot. O arquiteto terá muito mais trabalho de interpretação do cliente e acompanhamento da obra do que de desenvolvimento técnico do projeto.

Se pensa que isto está longe, engana-se. Já está tudo muito, mas mesmo muito perto, porque toda a infraestrutura que a IA necessita já existe e chama-se precisamente Autocad. A Autodesk (criadora do Auto Cad) tem uma quota de mercado de 55% em software CAD. Já imaginou o número de projetos existentes em bases de dados de arquitetos e engenheiros desde 1982 para que o agente IA possa aprender? Eles já estão a trabalhar em ferramentas IA.

Nestas áreas, em que já existe infraestrutura digital condensada, a integração de inteligência artificial será muito rápida. Mas o que vai acontecer no mercado de trabalho quando estes agentes IA começarem a entrar em operação?

… entra o rendimento mínimo universal

É precisamente aqui que entra o Rendimento Básico Universal. Acredito que, em breve, vai ser dado a escolher às pessoas se vão querer trabalhar ou se preferem ter um rendimento para que não trabalhem.

Os ganhos de eficiência vão ser de tal maneira grandes que muitos de nós não conseguiremos vingar, nem iremos ser sequer necessários no mundo do trabalho (de alguns trabalhos, claro) e, portanto, vamos chegar à conclusão de que é melhor que alguns não trabalhem, e que se dediquem a outras atividades igualmente importantes, do que criarem mais pressão no mercado de trabalho.

Não estou a falar aqui de rendimento mínimo garantido, estou a falar de uma decisão pessoal que cada um poderá ter e que será igualmente respeitável e nobre. Trabalhar ou não pode ser no futuro mais uma escolha do que uma necessidade. Assim, tenderão a acabar aquelas situações de pessoas que trabalham a vida toda em algo de que nunca gostaram. O Rendimento Básico Universal não terá que ser baixo. Será na realidade algo relacionado com a produtividade desses robots, que na verdade também irão pagar impostos correspondentes aos empregos que retiram.

Nesse caso, claro que o fosso de rendimentos entre quem trabalha e quem não trabalha vai tender a aumentar, mas quem não trabalha terá eventualmente um salário digno e suficiente para uma vida razoável. É que decidir não trabalhar pode ser um bem para a sociedade.

Sei que parece controverso, mas veja o exemplo dos 28 000 arquitetos portugueses: mesmo considerando um boom económico vindo da IA, está claro que muitos deles que já hoje têm salários baixos e pouco trabalho vão ter enormes dificuldades em competir com uma IA a trabalhar 24 horas por dia e especializada em quase tudo.

Talvez a IA nos faça mudar o racional de que quem não trabalha é preguiçoso, mas isto só será verdadeiramente vantajoso se a sociedade evoluir. Talvez passemos a ter mais tempo para nós e para os outros, para cuidar dos novos e dos velhos, para evoluirmos enquanto espécie.

Não gosto de arriscar números, mas penso que 10 anos será uma eternidade para a inteligência artificial. Temo que se fale ainda pouco do tema, como se estivesse invisível de tão distante. É necessária estrutura política para preparar este embate, na segurança social, no PIB, no Orçamento. É necessária a adaptação dos modelos de ensino ainda muito focados no “faz tu” do que no “saber pedir o que se quer”. É necessário integrar tudo isto na estrutura social… Vai a sociedade envelhecer ou será que uma maior disponibilidade de tempo gerará novos baby-booms?

Os robots já estão aqui e os robots já sabem tudo o que nós aprendemos. Ignorá-los é uma ameaça, entendê-los é uma oportunidade!

Artigo de opinião publicado na CNN, veja aqui

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Bernardo Mota Veiga

Bernardo Mota VeigaStrategicist

*língua original deste artigo: Português

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