A armadilha da fidelização e do marketing mercenário
Parece um contrassenso, mas o marketing moderno não valoriza o cliente, explora-o. Quantas vezes já tentámos alterar os nossos pacotes de serviços na nossa operadora de serviços net, TV e telefone e recebemos uma redonda nega juntamente com a ameaça dos custos de um contrato de fidelização que ainda não acabou? As operadoras focam-se nos novos clientes e não nos clientes antigos e fiéis.
Se o seu prestador o trata assim, trate-o como ele merece. Não se autofidelize porque ninguém o vai reconhecer por isso. Não tenha um romance em que é a única parte apaixonada, nem seja um marido fiel numa casa de swing. Se os operadores o tratam melhor quando o tentam conquistar, então mantenha-se tão disponível quanto possível para novas relações e transforme-se sempre na última bolacha do pacote.
Dá trabalho, mas pode poupar fortunas com esses serviços, percebendo as armas com que eles jogam. Um serviço de 60 euros pode-lhe custar 30 se for uma nova angariação e 65 se se mantiver no mesmo prestador, portanto deixe-se ser sempre essa nova angariação e vire as costas ao seu prestador de serviços que só lhe liga nas vésperas da fidelização expirar. Por incrível que pareça e por mais logicamente absurdo que seja, o cliente beneficia se for uma Maria-vai-com-as-outras.
Eu próprio fico cego quando tento negociar bom-senso com os operadores e nada acontece. Os operadores preferem que eu entregue routers, telefones, boxes etc. e mude para outro operador que vai ter todos esses custos, do que fazer um desconto relevante considerando que já não terão que acomodar os custos de investimento desses equipamentos. É ridículo, mas aparentemente é o modelo que funciona para as operadoras.
A mesma lógica em diferentes serviços
Mas não é só nas telecomunicações, nos seguros acontece exatamente o mesmo. Quem trabalha com mediadores de seguros sabe que muitas vezes os mediadores sugerem trocas entre companhias como forma de conseguirem melhores preços. Também aqui não há bom-senso. O cliente novo tem tudo e o antigo não tem nada. O cliente depois de angariado deixa de existir e passa a ser um débito direto.
Lembra-se da carta que recebeu do seguro a dizer que iam atualizar a apólice com base na inflação? Pois, se trocar de seguradora, transforma-se numa nova angariação e, sendo uma nova angariação, vai usufruir de um preço possivelmente mais baixo do que o que tinha – sem inflação. É irónico, mas as empresas apostam menos na fidelização e mais na angariação. Tal como os prestadores de serviços TV e net, nos seguros e em muitos outros serviços como eletricidade, gás, etc. acontece o mesmo.
A fim de pouparem custos, as empresas recorrem a prestadores de serviços externos para angariar novos clientes e são, na realidade, estes prestadores que têm o poder sobre o mercado, porque são eles que fazem o jogo da idoneidade junto do cliente. Os intermediários parecem estar sempre do nosso lado, as empresas parecem estar sempre contra nós.
Há razões para isso e a razão está no modelo adotado. Os intermediários têm incentivos mais fortes quando retiram alguém da concorrência do que quando mantêm alguém fidelizado. Além disso, estes angariadores trabalham com várias marcas e, portanto, ganham mais se num ano angariarem os clientes todos para uma marca e no ano seguinte, ou após o fim da fidelização, angariam esses mesmos clientes para outras marcas cobrando a outros a angariação que tinham cobrado a uns no ano anterior. Mágico, não?
Acontece em muitos dos serviços. É assim que o sistema funciona e já desisti de tentar compreender essas opções estratégicas das grandes empresas. Decidi ir com a maré ainda que não goste para onde a maré me leva. Mas, entretanto, poupo. Se me aparecer à porta de casa um agente a solicitar que mude o meu contrato de eletricidade da empresa A para a B, analiso as opções e simplesmente troco.
Poupar nos seguros ficando mais seguro
A vida é dinâmica e há serviços que vamos mantendo ao longo da vida. Parte desses serviços são os seguros. Começamos com uma casa, depois um carro, depois os acidentes domésticos, depois os animais de estimação, responsabilidade civil, saúde, etc. Os seguros são isso mesmo, uma segurança. São a peça importante do puzzle que nos faz transformar num custo fixo os imponderáveis da vida que não conseguimos custear, dando-nos a tranquilidade de dormir até ao dia seguinte.
A minha política é muito simples: o que não consigo segurar com o meu orçamento, seguro pela via do seguro. Por exemplo, fazer um seguro de acidentes que cobre um máximo de 3.000 euros para mim não me interessa, porque 3.000 euros eu posso pagar do meu orçamento se o tal imponderável surgir. Fazer um seguro de saúde que cobre 1.000.000 de euros já interessa. Não gasto dinheiro em “segurecos” com riscos que posso pagar sem que tal me condicione a vida, porque o preço dos seguros é essencialmente estatístico. A seguradora cobre com base num risco de ocorrência, pelo que se eu posso pagar, porque haverei de pagar um prémio de risco à seguradora? Tomo eu o risco dela e sou eu a minha seguradora para determinados montantes e riscos.
O pior de tudo é que muitas vezes há cláusulas de seguro que se anulam entre apólices, ou seja, um seguro de saúde muitas vezes anula algumas cláusulas dos acidentes pessoais e vice-versa. Um seguro de casa por vezes já inclui cláusulas de acidentes pessoais que não necessitamos de acrescentar noutro seguro. Certo é que as seguradoras não irão pagar duas vezes pela mesma ocorrência pelo que para quê ter duas apólices a cobrir o mesmo? Em suma, o custo com seguros é uma das partes do orçamento mais difícil de gerir para o comum dos mortais, ao ponto de por vezes nos esquecermos do que temos realmente coberto e aquilo a que ainda estamos expostos. Por exemplo, seguros contra riscos elétricos. Quem é que já trocou uma televisão avariada por causa de uma trovoada? Eu já!
Volto a recomendar que, no caso dos seguros, se trabalhe com um bom mediador que coloque a casa em ordem. Podemos poupar uma verdadeira fortuna e, ainda por cima, estarmos mais seguro e, como tal, precisarmos de menos fundos para emergência e canalizar mais fundos para a Liberdade, conforme referi no artigo 4.
Dicas para nos defendermos do marketing mercenário
- Faça uma “auditoria” aos serviços que tem contratados: comece por listar todos os seus débitos diretos. O que está a pagar? O que realmente usa? Cancele os serviços de streaming de vídeo ou música que só usa ocasionalmente. Para raras utilizações, há plataformas gratuitas.
- Seja um cliente desinteressado: assuma que a sua “fidelidade” não é recompensada. Nas vésperas do fim do contrato, comece a procurar ativamente ofertas de outros operadores. Quando a atual empresa o contactar para o reter, use ofertas da concorrência como poder de negociação.
- Use os mediadores a seu favor: nos seguros, nas telecomunicações e até na energia, os mediadores têm interesse em angariar novos clientes. Deixe que eles façam a pesquisa por si. Ao fazê-lo, estará a usar a dinâmica do mercado de angariação para poupar dinheiro.
- Leia as apólices dos seguros: o pior de tudo é ter vários seguros com cláusulas que se anulam ou que cobrem o mesmo. Peça ao mediador para simplificar a carteira de seguros e concentrar a proteção onde realmente precisa, evitando “segurecos” que não trazem valor real para riscos que pode suportar.
- Venda caros os seus dados: evite cartões de fidelização que o empurram para o consumo. Aquele voucher que o obriga a ir ao supermercado dois dias depois quando não quer ir, em que por um pacote de bolachas de 4 euros vai gastar 10 de gasolina mais o tempo mais as compras que vai fazer de coisas que não precisa. Entenda o marketing e use-o a seu favor.
Usar as mesmas armas de quem nos vende
Livremo-nos dos serviços de que não precisamos e foquemo-nos nos serviços que precisamos. O nosso dinheiro é difícil de ganhar e tratá-lo com respeito é usá-lo para pagarmos por aquilo que precisamos. É fundamental manter a liberdade de escolha, porque isso é o que mais dana a quem nos presta serviços e vende produtos. Se formos livres, muitos farão enormes esforços para tentar reduzir essa liberdade e, nesse momento, estaremos a chamar a nós o poder negocial e não a ser a presa indefesa perdida num descampado.
Artigo publicado na CNN. Veja aqui
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